Revista de Informatica Medica
Vol. 1 No. 2 Mar/Abr 1999
 
Sumario 
Indice 
Busca 
Ajuda 
Contato 
Ant Prox 
 
 

Informatizando o Consultório Médico

Guilherme Del Fiol e Lucio Jorge Dias Matias  

 A revolução iniciada com o advento dos microcomputadores tende a gerar um certo grau de ansiedade nas pessoas que não estão habituadas a estas tecnologias. Esta ansiedade, em parte, é causada pelo desconhecimento de quais benefícios um computador poderia trazer-lhes; e em outra, pelo medo de penetrar em um terreno desconhecido. Está se tornando cada vez maior o número de pessoas que compram um computador sem ter uma idéia precisa do que fazer com ele, o que é, na verdade, mais importante que saber ligar o aparelho. Tal fato evidencia-se ainda mais nas profissões onde o contato diário com computadores é pequeno. Na área médica há ainda outro agravante: o médico, em geral, tem dificuldade em encontrar tempo para aprender a trabalhar com o computador.  

No Brasil, a introdução do uso de computadores na Medicina é relativamente recente. Os sistemas hospitalares, quando existem, limitam-se ao controle de assuntos administrativos como cobranças, faturamento, controle de leitos, etc. Raros são os casos onde o médico tem um contato direto com o computador. No entanto, a tendência mundial é que esta interação seja cada vez mais freqüente. Em alguns hospitais dos Estados Unidos, o médico usa diariamente o computador na requisição e consulta de exames, preenchimento e consulta ao prontuário dos pacientes, comunicação com outros colegas pelo correio eletrônico, acesso a bases de dados bibliográficos como o MEDLINE, levantamento de dados epidemiológicos e para fins científicos, edição de textos, confecção de slides, etc.  

Nos consultórios particulares, é cada vez mais freqüente o uso de computadores no cadastro e armazenamento de dados clínicos dos pacientes. Nestes casos, o computador permite uma leitura mais rápida e legível das informações, sendo também possível o armazenamento de imagens de exames. As prescrições e folhas de orientação passam a ser mais legíveis e personalizadas com o uso de programas de auxílio à prescrição e impressoras de boa qualidade. Outras possibilidades surgem com o uso dos bancos de conhecimentos médicos, os quais auxiliam a prática clínica fornecendo informações rápidas sobre medicamentos, exames especializados, patologias e seu tratamento.  

Portanto, o computador, quando utilizado adequadamente, transforma-se em caneta, fichário, biblioteca e agenda do médico, com várias vantagens em relação aos métodos manuais. Neste artigo discutiremos alguns dos aspectos práticos mais relevantes que o médico deve saber para informatizar o seu consultório.  
  

Estratégia de informatização

Quando pensamos em informatizar uma clínica ou consultório, devemos responder quatro questões:  
  
  1. Por quê?
  2. O quê?
  3. Quanto?
  4. Como?

Por quê informatizar?

Pense nas tarefas em que o computador pode lhe auxiliar. Entre as mais comuns podemos citar:  

Grande volume do arquivo tradicional - as fichas cadastrais e clínicas dos pacientes ocupam muito espaço físico e gasta-se muito tempo recuperando-as de um fichário tradicional. A organização das fichas em meio eletrônico permite a consulta quase instantânea das mesmas.  

Otimização de recursos humanos - secretárias, assistentes, administradores, enfermeiras e médicos podem realizar suas tarefas mais rapidamente, assim o tempo destes profissionais é melhor aproveitado.  

Melhoria na qualidade dos impressos - prescrições, orientações, atestados, laudos, encaminhamentos, recibos, relatórios e outros impressos podem ser emitidos pelo computador, aumentando a rapidez e legibilidade dos mesmos.  

Auxílio na explanação ao paciente - imagens e vídeos digitais, organizados e guardados em meio eletrônico podem auxiliar na explanação ao paciente sobre sua patologia ou procedimento a ser realizado.  

Modernidade - hoje o computador faz parte de nossa vida, e cada vez vai ser mais comum sua presença em todos os setores da sociedade, trazendo uma imagem de bom uso da tecnologia para quem o possui.  

É importante que se estabeleça objetivos claros a ser atingidos com a informatização. Assim, pode-se avaliar o grau de sucesso obtido no processo.  

O quê informatizar?

São várias as tarefas que podem ser informatizadas. Na recepção temos o agendamento e cadastro dos pacientes, emissão de recibos, guia de exames; na área contábil e administrativa, o faturamento particular e de convênios, controle de caixa e de materiais; na área clínica, o prontuário dos pacientes, emissão da prescrição, orientações, encaminhamentos, aquisição de imagens, acesso a bancos de informações médicas como CID, medicamentos, MEDLINE e outros, utilizando ou não a Internet.  

Quanto gastar na informatização?

Ao fazer o cálculo do investimento esperado, devemos levar em conta os objetivos e os setores a serem informatizados. Assim, podemos estabelecer com mais segurança os equipamentos e o software necessários para a informatização. Porém o cálculo não termina aí. É muito importante considerar o custos com treinamento e manutenção, freqüentemente esquecidos mas também importantes no custo final.  

Como informatizar?

Se você conseguiu responder satisfatoriamente às perguntas anteriores e está seguro quanto às vantagens que a informatização vai lhe trazer, poderá então começar o processo de aquisição e implantação. Pense ao mesmo tempo em quatro aspectos que estão muito relacionados: aquisição do equipamento, aquisição dos programas, treinamento e manutenção do sistema. Um ponto é muito importante: não faça uma revolução autoritária na sua clínica. Procure conversar com os médicos e funcionários sobre os benefícios que a informatização poderá lhes trazer e esteja aberto para sugestões. A mudança é sempre um processo delicado e costuma trazer problemas se não tratada com a devida atenção.  
 

Escolhendo o Equipamento 

Ao escolher o `hardware', é importante levar em conta sempre a relação custo/benefício. Se não é necessário adquirir o computador mais veloz de último tipo não o faça, pois esses equipamentos são caros e sua velocidade de depreciação é maior que um computador um pouco menos potente, mais barato, mas que resolve todos os seus problemas. Leve em consideração a confiabilidade da marca, garantia, a existência de assistência técnica na sua cidade, a possibilidade de expansão (`upgrade') e o preço. Neste número da revista "Informática Médica" você poderá ler outro artigo sobre "Como escolher o microcomputador ideal" e conhecer mais detalhes e dicas de como realizar um boa aquisição de seu equipamento.  
 

Você precisa de uma rede? 

Redes locais são sistemas onde os microcomputadores são conectados entre si, possibilitando intercâmbio de informações e compartilhamento de recursos. Cada computador é um equipamento independente, com seu próprio microprocessador, mas os dados gravados no disco de um deles podem ser acessados pelos outros. O mesmo acontece com as impressoras, que se conectadas a um computador, podem receber trabalhos vindos de outros pontos da rede. Obviamente, estes recursos não são compartilhados livremente. Configurações de senhas e direitos são estruturadas para garantir a segurança e o sigilo da informação.  

Hoje temos basicamente dois tipos de arquitetura de rede: cliente-servidor e ponto a ponto. No primeiro, temos um computador central (servidor) dedicado a basicamente uma única tarefa: servir como depósito de dados que podem ser acessados a partir de qualquer micro ligado a ele. Como os servidores costumam ser máquinas potentes, com grande capacidade de memória central (RAM) e em disco, estas redes têm um custo maior de instalação e manutenção, mas permitem a conexão de um grande número de computadores. No segundo tipo, não precisamos de um servidor dedicado. Os microcomputadores se "enxergam" entre si, compartilhando dados e recursos. As redes ponto a ponto são mais baratas que as cliente-servidor, exigem menos manutenção e são mais fáceis de trabalhar. Porém, perdem desempenho quando muitos computadores são usados simultaneamente (o ideal é que uma rede ponto a ponto tenha no máximo 7 computadores).  

Para montar uma rede, precisamos de cabos, microcomputadores equipados com placas de rede e um sistema operacional de rede. Entre os sistemas de rede do mercado, podemos citar Novell e Windows NT, para redes cliente-servidor, e Personal Netware, Windows 95/98 e Lantastic, como exemplo de redes ponto a ponto.  

A tabela abaixo resume as características dos dois tipos de rede descritos anteriormente:  
 

Equipamento necessário para instalar redes locais 

Microcomputadores

O modelo dos microcomputadores pode ser 486 até Pentium ou Pentium. A escolha das estações depende de quanto se quer gastar e quais as atividades a serem realizadas em cada uma delas. Estações onde se deseja trabalhar com interface gráfica (Windows), exigem micros mais potentes.  

Para as redes cliente-servidor, ainda é necessário um servidor Pentium, com grande capacidade de disco rígido e memória RAM.  

Vale lembrar que microcomputadores inferiores ao modelo Pentium não são mais encontrados no mercado, o que não impede você possa aproveitar um 486 adquirido anteriormente como terminal, principalmente em atividades que exigem menos do computador (recepção, por exemplo).  

Cabos e conectores

Para conectar as estações entre si (redes ponto a ponto) ou ao servidor, precisamos de cabos e conectores. Dois tipos de cabo podem ser utilizados: coaxial ou par trançado. O cabo coaxial permite a montagem de uma rede do tipo barramento, onde o mesmo cabo conecta todas as estações uma por uma. Esta configuração tem um menor custo, mas menor eficiência, pois defeitos em qualquer ponto do barramento levam à interrupção do fluxo de dados em qualquer estação ligada a este barramento. O cabo tipo par trançado é usado nas redes "em estrela". Neste caso, cada micro é conectado por um cabo independente. Assim, se um cabo apresentar problemas, somente a estação conectada a ele perde o acesso, não influindo no comportamento das demais.  

Para ligar os cabos às placas de rede nos micros usa-se conectores. Cada tipo de cabo usa um tipo diferente de conector.  

Placas de Rede

As placas de rede são adaptadores internos que permitem conectar os cabos nos microcomputadores. Ao comprar o equipamento, solicite para que já venham com placa de rede instalada, a fim de evitar custos posteriores para instalação e configuração das placas.  

Sistema Operacional de Rede

Antes de escolher o sistema operacional da rede, deve-se decidir pela arquitetura de rede: ponto a ponto ou cliente-servidor. Nas redes cliente-servidor é importante saber quantas estações estarão ligadas ao servidor, pois o preço do sistema operacional varia de acordo com este número.  
 

Escolha dos programas 

Sistema de consultório

A escolha do sistema de consultório é uma etapa muito importante na informatização, pois a conversão para outro sistema requer custo e sacrifício. Para facilitar sua escolha elaboramos um roteiro de perguntas a serem feitas ao analisar um sistema.  
 
  • As funções do programa satisfazem suas necessidades? 
  • Qual o tempo da empresa no mercado? Tem boa reputação? 
  • Em que áreas a empresa atua além da área médica? (quanto mais específica a atuação na área médica maior o interesse da empresa em dar continuidade ao trabalho) 
  • Há quanto tempo foi lançada a primeira versão do programa? Em que versão está no momento? 
  • Quantas cópias já foram comercializadas? 
  • Qual o custo do programa e o que está incluído neste custo (instalação, garantia, suporte, etc.)? Existe um custo adicional de acordo com o número de comutadores? 
  • Existe garantia de suporte e atualizações? 
  • A empresa dará continuidade no desenvolvimento do sistema, acompanhando as novas tecnologias? Qual será o custo das atualizações? 
  • Quais as configurações mínima e recomendada de computador para `rodar' bem o programa. 

Aplicativos de uso geral

Há vários programas que podem ser necessários dependendo de sua demanda. Editores de texto, planilhas eletrônicas para contabilidade, análise estatística e criação de gráficos, editor de slides e agenda pessoal são alguns exemplos de aplicativos muito usados. Eles podem ser encontrados juntos em um mesmo `pacote' (Office da Microsoft, Lotus Smart Suite, etc.) que tem como vantagem um preço menor do que se adquiridos separadamente. Se você tem vínculo acadêmico há lojas que oferecem grandes descontos. Se você está pensando em se ligar à Internet, há necessidade de programas que realizem esta função. Em geral as empresas provedoras de acesso à Internet já oferecem esses programas quando você abre uma conta.  


 Sistema Tot-Win: para informatização de consultórios


Sistema X-Clinic: clínicas de Radiologia

Treinamento 

O simples fato de ter computadores e uma variedade de programas não significa que eles serão úteis ou que serão utilizados adequadamente. Para que isto ocorra é necessário suporte e treinamento adequados. Esta conduta possibilita que o equipamento seja utilizado da melhor maneira possível, prevenindo perdas de dados e diminuindo (mas não excluindo) a necessidade de assistência técnica externa.  
 

Atualizações do Sistema 

A Informática é uma das tecnologias que apresenta evolução e renovação mais rápidas. Sistemas que hoje se mostravam suficientes, daqui há alguns anos já serão obsoletos. Hoje as exigências da maioria dos médicos se resumem a controle de faturamento, armazenamento dos dados dos pacientes e prescrição eletrônica, mas bases de dados com informações médicas, sistemas com comando por voz e computadores de bolso serão recursos básicos mínimos em um futuro muito próximo. Embora as atualizações sejam importantes, deve-se ter em mente que a simples garantia de realização das mesmas não é suficiente. É preciso que os dados anteriormente digitados possam ser utilizados sem problemas pelos novos sistemas que aparecerem.  

Tendo em vista as considerações acima, ao optar por um sistema informatizado, deve-se pensar no seguinte:  
 

  • Se você não é acompanhado por uma empresa séria de desenvolvimento, o que será de seu sistema em dois anos? 
  • Será que você nunca mais vai precisar alterar o sistema para atender às suas necessidades? 
  • Se você precisar incluir novos módulos, quem o fará? Qual será o custo? O sistema funcionará? 
  • Se o sistema deixar de atender às suas novas necessidades você precisará reinvestir em um novo software? 
  • Se você trocar o sistema, quem converterá os seus dados? Será que tudo terá que ser redigitado? 
Você terá que reinvestir em treinamento de todos os funcionários? Se você precisar de suporte e orientação de informática, a quem você poderá recorrer com confiança? Existem ainda outros ítens a serem checados para dar maior segurança à aquisição do software. Contrate um consultor profissional, se for preciso.  
 

Suporte Técnico 

Como dito anteriormente, a informatização de um consultório não termina na aquisição de hardware e software. Os custos com estes itens são mínimos quando comparamos com o valor que adquirem quando passamos a guardar nossas informações neles. Nicolas Negroponte, fundador do MIT Media Lab, um dos centros computacionais mais avançados do mundo, conta em seu livro "A Vida Digital" um fato que ilustra bem esta afirmação:  

Ao se hospedar num hotel, Negroponte pede à recepcionista que guarde seu "notebook" num local seguro. A recepcionista pergunta o valor do equipamento e ouve, estarrecida, Negroponte declarar: "por volta de 2 milhões de dólares!" Negroponte se justifica: "Nas lojas o seu preço não chega a mais que 2 mil dólares. O que vale milhões são as informações que estão aí guardadas!".  

Implantar um sistema de informática sem treinamento, garantia de atualizações e suporte técnico eqüivale a comprar um automóvel admitindo-se que não é preciso aprender a dirigir, nem realizar manutenção periódica e, muito menos, fazer um seguro do carro.  

Esperamos que estas dicas possam lhe ajudar. Sucesso na informatização !  
 

Para Saber Mais 

Caramel, E., Sachetto, T. e Matias, L.J.D. - Como escolher o computador ideal. Jornal de Informática Médica 

Del Fiol, G. e Matias, L.J.D. - Como informatizar sua clínica. Jornal de Informática Médica 

Ilha, J.O. e Sabbatini, R.M.E.: Informatizando a Saúde Ocupacional. Revista Informática Médica 1(1), janeiro/fevereiro 1999. 

Sabbatini, R.M.E. - Informatizando o Consultório Médico. Revista Informática Médica, 1(4), julho/agosto 1999.  

Sabbatini, R.M.E. - Consultório Portátil. Revista Informática Médica, 1(6), novembro/dezembro 1999.  

Sabbatini, R.M.E. e Ortiz, J. - MEDSARR: Um Sistema para a Informatização Clínica. Revista Informédica, 2 (10): 5-12, 1994. 

Topo 

Os Autores

Os autores são médicos, com residência em Informática Médica na FMUSP. Proprietários da empresa Saúde & Bytes, especializada em sistemas na área da saúde (http://www.saude total.com/sbytes.htm)  
 

Agradecimentos

Os artigos desta edição, de autoria de Del Fiol, Matias, Caramel e Sachetto, foram gentilmente cedidos para publicação e adaptados a partir das duas primeiras referências acima, originalmente publicados na Internet através do Jornal de Informática Médica, da empresa Saúde & Bytes e do site Saúde Total. O copyright pertence aos autores,conforme indicado. Adaptação e editoração realizada por Renato M.E. Sabbatini. Nossos agradecimentos pela colaboração 
 



 
 
© 1999 Renato M.E. Sabbatini
Núcleo de Informática Biomédica 
Universidade Estadual de Campinas 
Campinas, Brasil
Apoio: