Médicos, cientistas e educadores de todo o mundo já têm à sua disposição, o mais completo registro de imagens digitais humanas, o qual tem permitido o desenvolvimento de uma ampla gama de projetos que parece estar revolucionando o entendimento e a compreensão da visualização da anatomia do ser humano.
Trata-se do Visible Human, ou Ser Humano Visível, um megaprojeto de 7 milhões de dólares criado pela National Library of Medicine (NLM), em Bethesda, Maryland, a maior biblioteca médica do mundo. Ao ser recomendado por uma cúpula de especialistas em reconstrução anatômica tridimensional, o Projeto tinha o objetivo de disponibilizar à comunidade médica e científica um banco de imagens que representasse completamente um homem e uma mulher, digitalizados e armazenados em computadores. Até aquele momento, não existia um conjunto de dados digitais de todo o corpo humano, com todas as modalidades de imagem representadas e tomadas no mesmo nível.
A partir de então, a NLM começa a procura dos cadáveres que poderiam tornar realidade a idéia do Visible Human. Em parceria com a NLM, o Center for Human Simulation, um conceituado centro de pesquisas que desenvolve projetos avançados com reconstruções anatômicas tridimensionais na Universidade de Colorado (EUA), examinou e reprovou mais dois mil cadáveres que foram doados para o projeto. A condição fundamental era que o cadáver a ser escolhido fosse anatomicamente perfeito e livre de alterações patológicas estruturais.
Ao final de dois longos anos de exaustiva busca, eles selecionaram o primeiro "morto perfeito", com todos os órgãos intactos: um homem de 39 anos condenado a morte por ter estuprado uma criança, o qual tinha como únicas alterações orgânicas uma substância letal já interrompida na rede venosa, fe a falta de um dente e de um testículo.
Este homem, que havia doado o seu corpo para a ciência, saiu da vida para se imortalizar em um paraíso especial: o mundo médico virtual. Dois anos depois, a mulher virtual, morta aos 59 anos de idade por problemas de circulação cardíaca, se une ao homem visível, em um gesto notável de doação para o bem da ciência.
Foi estabelecido que as imagens deveriam ser de três
tipos: tomografia computadorizada do cadáver a fresco e congelado,
imagens de ressonância magnética e de secções
congeladas. Após serem feitas as tomografias, o cadáver foi
totalmente seccionado, ou melhor, desbastado por meio de uma lâmina
na forma de disco que cortava de 1 em 1 mm os tecidos congelados, expondo
a cada passada uma nova superfície a ser fotografada. Depois, aquela
camada era destruída para expor uma nova (na mulher, as camadas
foram ainda mais finas: 0.3 milímetro). As secções
foram fotografadas com câmeras digitais de alta resolução.
São 1.878 secções para cada
modalidade (tomografia de secções a fresco e congeladas,
ressonância magnética e secções anatômicas)
no cadáver masculino e cinco mil da mulher (por cada modalidade
também), completando assim, um total de 19.000 imagens com 56 Gigabytes
(15 Gb no homem e 41 Gb na mulher).
Estas imagens estão disponíveis na
Internet, em CD-ROMs e em videodiscos. Centros médicos, institutos
de pesquisa e instituições educacionais estão usando
programas de computadores especializados e criando imagens tridimensionais
a partir das secções do Ser Humano Visível. Já
são mais de 400 projetos em desenvolvimento em todo o mundo.
O Dr. Richard Robb da Mayo Clinic foi um dos primeiros a usar este conjunto de dados. Seu grupo desenvolveu um software chamado "Analyse", que é um conjunto de ferramentas para exibir e visualizar o conjunto de dados. Por exemplo, este programa é capaz de "descascar" o Ser Humano Visível, removendo pele, camadas de músculos e até mesmo dos ossos, permitindo então, uma literal viagem por dentro do esqueleto.
Colonoscopia Virtual: Um "vôo" dentro do cólon humano |
Robb também já realizou outros "vôos" pelo cólon, esôfago, estômago, pulmões e sistema reprodutor feminino. No futuro, ele espera gerar vôos virtuais a partir de imagens de varreduras tomográficas e de ressonância magnética, que já são feitas em pacientes vivos. Seu maior objetivo é acabar com os desconfortáveis procedimentos que examinam o interior de certos órgãos introduzindo dispositivos médicos pelas cavidades do corpo tais como endoscopias e colonoscopias). |
Estão em desenvolvimento também simuladores cirúrgicos em realidade virtual, que proporcionarão aos médicos uma perfeita simulação de cirurgia, permitindo-lhes treinar seus reflexos e técnicas cirúrgicas antes de usar o bisturí no paciente.
Outro impacto direto sobre o paciente e seus médicos
promovido pelo Ser Humano Visível será a possibilidade de
visualizar previamente à cirurgia a localização de
estruturas dificilmente de serem alcançadas, como por exemplo, a
próstata, estrutura que é circundada por órgãos
vitais e muito difícil de ser alcançada. Neste exemplo, os
médicos localizam na tela o sistema urinário, vão
"cortando" - no com o mouse, o qual exerce a função
de um bisturi, e então alcançam o sistema desejado: a bexiga,
a próstrata e a uretra. Rotacionando novamente com o mouse, visualiza-se
agora o outro lado da região. Este tipo de visualização
pode ser usado para que os médicos comecem a entender mais facilmente
a relação de estruturas anatômicas, umas com as outras
quando estão planejando tratar ou operar pacientes com câncer.
Estudantes também já estão substituindo o cadáver real pelo virtual. Em laboratórios de neuroanatomia, eles admitem que "as imagens reconstruídas dão uma idéia melhor de onde uma variedade de órgãos está, além do que, nós não estamos interessados apenas no ensino de cada órgão em seu sistema, mas também na relação de um sistema com outro".
Atlas Voxel-Man. Reconstrução tridimensional de músculos e pele. |
Atlas de Voxel-Man. Reconstrução da pele e do cérebro com delimitações de cores. |
Alguns dos programas que estão sendo utilizados pelos estudantes de medicina é o Voxel-Man, um fascinante atlas digital desenvolvido pela Universidade de Hamburgo. Este atlas já pode ser vendido pela Internet e custa em média $200 dólares e serve como suplemento para as aulas de anatomia.
As aplicações desenvolvidas incluem softwares que fazem reconstrução tridimensional, que permitem a visualização de órgãos isolados ou em conjunto sob qualquer ângulo.
Digital Humans, CD Rom já disponível para compra |
Diversos softwares, CD, ROMs e videodiscos já estão disponíveis e já podem ser comprados até mesmo pela Internet (http://www.vhd.org.br/produtos.htm). Um bom exemplo é o CD Digital Humans, onde o usuário poderá "clicar" o mouse em qualquer região do corpo do Ser Humano Visível e visualizar a secção específica, bem como fazer uma comparação da secção anatômica com a radiológica. |
De modo a facilitar e agilizar o acesso a outras partes do mundo, a NLM está estabelecendo servidores ligados à Internet na Europa, Ásia e América do Sul. Segundo Dr. Michael Ackerman, coordenador do projeto na NLM, o objetivo é aumentar o número de instituições que tenham acesso preferencial à base de imagens. Até o momento, a Unicamp é a única instituição da América Latina com projetos cadastrados junto à NLM.
Por isso, ela resolveu conceder à Unicamp um "espelho"da base de imagens para ser utilizado na América do Sul. Brevemente será instalado um computador com 60 gigabytes de disco, que servirá exclusivamente para esta finalidade, ligado à rede Internet. O acesso é gratuito, mas necessita de senha de acesso, fornecido após a assinatura de um protocólo de registro dos projetos junto a NLM, o qual será intermediado pelo NIB. Caso deseje utilizar as imagens, veja orientações no nosso site (http://www.vhd.org.br/register.htm).
Um demonstrativo contendo várias imagens do projeto está disponível através da WWW (World Wide Web), com texto em português e acesso livre e gratuito (http://www.vhd.org.br).
No Brasil, o primeiro projeto utilizando a base de imagens do Ser Humano Visível é o Núcleo de Informática Biomédica da Unicamp, através da revista bilingue Cérebro & Mente/ Brain & Mind, uma revista eletrônica de neurociências que, em uma de suas seções, apresenta reconstruções anatômicas do cérebro e suas estruturas. Neste projeto, as imagens estão ainda em fase de aprimoramento técnico.
Silvia Helena Cardoso,
PhD, psicobióloga, mestre e doutora em Ciências pela Universidade
de São Paulo e pós-doutorado pela Universidade da Califórnia
em Los Angeles. Pesquisadora associada do Núcleo de Informática
Biomédica, UNICAMP, Campinas, Brasil. Email: cardoso@nib.unicamp.br
Publicação: Núcleo de Informática Biomédica Universidade Estadual de Campinas © 1997 Renato M.E. Sabbatini |
Apoio: Searle Farmacêutica Brasil |