Revista de Informatica Medica
Vol. 1 No. 5 Set/Out 1998

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Sistemas Especialistas em Medicina

Lawrence E. Widman

Definidos de forma simplificada, os sistemas especialistas, ou sistemas baseados em conhecimento, são programas de computador capazes de analisar dados de uma maneira que, se tivesse sido realizada por um ser humano, seriam considerados inteligentes. Eles são caracterizados por:

  • Utilizar lógica simbólica, ao invés de cálculos numéricos;
  • Incorporar uma base de conhecimento explícita, e
  • Ter capacidade para explicar suas conclusões.

Os sistemas especialistas podem ser úteis de dois modos diferentes:

  • Apoio à decisão - o programa ajuda o tomador de decisões experiente a lembrar-se de diversos tópicos ou opções, que se considera que ele saiba, mas que possa ter esquecido ou ignorado. Este é o uso mais comum em medicina.
  • Tomada de decisão - toma a decisão no lugar de uma pessoa, pois isso implicaria algo que está acima de seu nível de treinamento e experiência. Este é o uso mais comum em muitos sistemas industriais e financeiros, mas também já existe em medicina.

O primeiro sistema especialista em medicina foi desenvolvido no início dos anos 70 pelo Dr. Edward Shortliffe, da Universidade de Stanford, EUA. O programa, que se chama MYCIN, recomenda a seleção de antibióticos em casos de bacteremia ou meningite, baseado em características do organismo infeccioso e em dados clínicos do paciente, tais como o local de infecção, sinais, sintomas e outras condições médicas associadas. Embora não tenha sido o primeiro programa de apoio à decisão, foi o primeiro a usar conhecimento simbólico em um formato baseado em regras.

Ao longo das duas últimas duas décadas, os métodos de criação de sistemas especialistas foram incorporados ao repertório padrão de técnicas usadas por muitos softwares comuns, como o Windows. Os sistemas especialistas são atualmente usados de forma rotineira em muitos setores da atividade humana, como por exemplo, por empresas de cartões de crédito para tomar decisões rápidas de aprovação de transações individuais feitas por seus clientes. Sistemas especialistas também estão embutidos em muitos outros produto de software voltados ao consumidor, tais como em sistemas de reconhecimento de voz, jogos de xadrez, corretores gramaticais para processadores de texto, ajudantes de cálculo em planilhas eletrônicas e em softwares gráficos. Uma tecnologia relacionada, a das redes neurais artificiais, atualmente é usada em dispositivos como refrigeradores e condicionadores de ar, e em equipamentos biomédicos de laboratório ou de diagnóstico.

No presente artigo, explicamos de maneira fácil de entender o que são os sistemas especialistas, como funcionam e quais são suas áreas de aplicação. Damos também exemplos de sistemas especialistas em uso na medicina.

Para que servem ?

As áreas nas quais os sistemas especialistas podem ser aplicados de forma satisfatória em medicina têm as seguintes características:

  • O conhecimento necessário para tomar decisões é razoavelmente bem circunscrito. Assim, o problema de analisar dados hemodinâmicos obtidos por um catéter de Swan-Ganz é muito mais fácil de resolver por um software do que o de determinar a conduta clínica a ser seguida com um paciente com choque cardiogênico; o qual, por sua vez, é mais fácil de fazer do que recomendar a linha de tratamento de um paciente com falência múltipla de órgãos. Os sistemas especialistas, como diz o nome, são capazes de apoio à decisão apenas em áreas especializadas da medicina: quanto mais especializada, melhor funciona o sistema.
  • As pessoas que são especialistas na área podem alcançar soluções precisas muito mais rapidamente do que as pessoas que não são, ou seja, o conhecimento especializado é muito difícil e demora muito mais tempo para ser adquirido por um médico comum.
  • Atribui-se um valor considerável às soluções conseguidas de forma precisa e muito rápida, mesmo que não sejam muito especializadas (justificando, portanto, o esforço exigido para automatizar parte ou todo do processo de tomada de decisão).
  • Os dados necessários para tomar a decisão podem ser descritos objetivamente.

Damos a seguir, para exemplificar, algumas áreas da cardiologia em que estão presentes estas características:

Apoio à decisão:

  • Pacientes com angina de peito: decidir se o paciente vai ser observado clínicamente, fazer um Holter, ser internado na UTI.
  • Pacientes com infarto agudo do miocárdio: decidir se deverá ser utilizada trombólise ou PCTA.
  • Estratificação dos riscos de pacientes que sofreram infarto
  • Outros métodos diagnósticos padronizados, como interpretação automática de exames laboratoriais.

Processamento de sinais:

  • Eletrocardiogramas comuns e de alta resolução
  • Cintilografias cardíacas com tálio

Controle de qualidade:

  • Interações entre medicamentos
  • Auditoria de atos médicos (por exemplo: justificava-se nesse caso fazer uma cineangiocoronariografia ?)

Controle de processos:

  • Gerenciamento automatizado de dispositivos de controle, tais como bombas de infusão de drogas.

Como funcionam?

Um sistema especialista é composto dos seguintes módulos:

  • Base de conhecimento: contém o conhecimento especializado a ser utilizado nas decisões, o qual pode ser estruturado e codificado de diversas maneiras;
  • Base de dados padrão: contém a definição do vocabulário a ser usado, termos, frases, elementos de diagnóstico e tratamento, etc. Pode conter também dados de pacientes individuais.
  • Mecanismo de inferência: é um algoritmo, capaz de elaborar as conclusões a partir dos dados fornecidos pelo usuário do sistema, e do conhecimento armazenado em suas bases.
  • Interface do usuário: tem por objetivo realizar o diálogo entre o usuário e o sistema. Em muitos casos, é capaz de entender frases em linguagem natural.

O mecanismo de inferência integra diversas funções. Ele é capaz de receber dados, tanto do usuário quanto das bases de dados e de conhecimento, estabelecer metas de decisão e elaborar conclusões baseadas em alguma forma de raciocínio automático. Existem três tipos de sistemas especialistas, quanto à maneira como a base de conhecimento é estruturada e, por conseguinte, como funciona o mecanismo de inferência:

Sistemas de produção baseados em regras ou em quadros. Estas são formas de representação baseadas em associações entre conceitos, como por exemplo: "ondas de Osborne são associadas à hipotermia". Normalmente as regras e quadros não definem relações causa-efeito, mas apenas "receitas" de decisão, muito usadas no dia-a-dia do médico. O mecanismo de inferência testa se as regras são verdadeiras para cada caso, e pode combinar várias regras até chegar a uma decisão com alto grau de probabilidade. Um exemplo de uma regra de produção é:

Se as seguintes condições são verdadeiras:

    o paciente apresenta estridor respiratório;

    há história prévia de insuficiência respiratória congestiva

então são prováveis os seguintes diagnósticos: -

    edema pulmonar, com uma probabilidade de 80%; -

    asma, com uma probabilidade de 50% -

    embolismo pulmonar com uma probabilidade de 20%

Sistemas baseados em modelos de causa-efeito. A base de conhecimento especifica associações do tipo: "um queda na pressão sangüinea causa aumento do tônus sistema simpático". Estes sistemas não são projetados para armazenar dados clínicos individuais. O mecanismo de inferência se baseia em cadeias de relações causais (exemplo: "se o paciente tem icterícia, então tem hiperbilirrubinemia, e se a bilirrubina não conjugada está aumentada, então há comprometimento hepático. Se há febre, então há infeccção viral ou bacteriana. Então pode tratar-se de uma hepatite").

Sistemas baseados em casos. A base de conhecimento especializada é formada por dados clínicos individuais, os quais relacionam casos típicos com os sinais e sintomas apresentados, achados laboratoriais, diagnóstico e tratamentos utilizados, e qualquer outro fator que o usuário possa achar interessante posteriormente. O mecanismo de inferência utiliza o raciocínio analógico, também muito usado pelos médicos ("se já tive um paciente com as mesmas condições e diagnóstico que esse, então o mesmo tratamento vai funcionar").

Todos os sistemas acima se baseiam em lógica, ou seja, o uso das proposições e teoremas que consistem o fundamento do raciocínio do tipo verdadeiro/falso.

Exemplos de Sistemas Especialistas Médicos

O Quick Medical Reference System (QMR) é um programa que realiza o diagnóstico diferencial em muitas áreas da Medicina Interna, e também é útil para ensino (deve-se notar, no entanto que o programa tem um grau de profundidade limitado em várias áreas, como nas doenças cardiovasculares) O desempenho do sistema foi testado com 31 casos não solucionados dos serviços médicos de dois hospitais universitários. O diagnóstico obtido com o sistema foi comparado com a melhor hipótese diagnóstica fornecida pelo médico que atendia os casos. O padrão-ouro (diagnóstico definitivo) foi o obtido para os 20 casos que foram resolvidos depois de um seguimento de seis meses. Os resultados foram os seguintes: o médico acertou 80 % dos casos resolvidos, o sistema QMR acertou 85 % (uma diferença não significativa em relação ao médico), e os médicos que não cuidavam do caso (residentes, por exemplo), acertaram apenas 60 % dos diagnósticos (uma diferença significativa em relação ao médico que cuidava dos casos e do sistema especialista), comprovando que o QMR tem desempenho semelhante ao do especialista nos casos tratados. O trabalho de avaliação foi publicado em Annals of Internal Medicine. 1989; 110(10):824-832). O programa QMR está comercialmente disponível através da Camdat Corp., Tel. 1-800/875-8355.

Outro sistema especialista muito utilizado é o Iliad, desenvolvido pelo Departamento de Informática Médica da Universidade de Utah em Salt Lake City. Como o QMR, tem abrangência em Medicina Interna, mas utiliza um sistema diferente de inferência. Além da lógica, utiliza também probabilidades, através do teorema de Bayes.

Tela de diagnóstico diferencial de Iliad, um sistema especialista em Medicina Interna Clique na imagem para ver em maior detalhe

Um compêndio de sistemas de inteligência artificiais em uso clínico rotineiro está disponível na Internet (http://www-uk.hpl.hp.com/people/ewc/list.html). Inclui sistemas de atenção aguda, sistemas educacionais, sistemas de laboratório, controle de qualidade e sistemas de administração, e sistemas de imagens médicas. Outros exemplos de sistemas são:

  • Interpretação de arritmias cardíaca (Universidade de Oklahoma)
  • Busca automática de referências médicas na MEDLINE, baseada em dados de laboratório e drogas (Columbia). Selcione InterMed, e depois o ítem #6 Dados Clínicos.
  • TraumAID: Apoio a casos de trauma do tórax (Universidade de Pennsylvania)
  • Prognose de doenças de fígado crônicas.
  • DXPlain: sistema de diagnóstico em medicina interna (Universidade Harvard).

Conclusões

Os principais obstáculos para desenvolvimento de sistemas especialistas para aplicações médicas são:

  • As tarefas médicas são difíceis por causa de diferenças entre os pacientes individuais e a incerteza dos dados clínicos disponíveis.
  • A gama de erro aceitável é pequena por causa de preocupações éticas e riscos legais.
  • Não há escassez de especialistas humanos.
  • As exigências de certificação obrigatória dos programas (FDA) desencorajam a comercialização de sistemas
  • Diminuição dos fundos de apoio à pesquisa na área.

Os fatores que favorecem uma disseminação crescente de tecnologias de sistema especialistas são:

  • Avaliação do custo versus eficácia de atendimento médico pagos per capita.
  • Aumento da qualidade na assistência ao paciente
  • Diminuição das barreiras técnicas (acesso disseminado à Internet, aumento no conhecimento básico de informática pelos usuários médicos, disponibilidade de computadores mais poderosos e mais baratos).

(c) 1995, 1996 Lawrence E. Widman, MD, PhD. Traduzido e adaptado por Renato M.E. Sabbatini, PhD

O Autor

Lawrence E. Widman, MD, PhD é professor associado de medicina, Division of Cardiology, University of Texas Health Science Center at San Antonio. Especialista em informática médica e IA em medicina. Email: widman@uthscsa.edu

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© 1998 Renato M.E. Sabbatini
Núcleo de Informática Biomédica
Universidade Estadual de Campinas
Campinas, Brasil

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