Revista de Informatica Medica
Vol. 1 No. 2 Mar/Abr 1998
 
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Educação em Informática em Saúde 

Stefan Schulz e Rüdiger Klar  

Com a crescente utilização de computadores em saúde, tornou-se crítica, na maioria dos países, a adoção de programas educacionais específicos, dirigidos tanto à formação de profissionais nesta área, em vários níveis, quanto ao treinamento dos estudantes e profissionais de saúde nas novas tecnologias de informação e suas aplicações.  

Na Europa, esta preocupação existe desde a década dos 70, quando se iniciaram os primeiros cursos voltados aos setores acima mencionados. Mais recentemente, os esforços do continente têm sido orientados por recomendações e projetos especiais. Assim, segundo a Recomendação do Comitê de Ministros da União Européia sobre as estratégias de treinamento para sistemas de informação em Saúde (feita em 1990), os sistemas de Informação em Saúde (SIS) são essenciais no processo de tomada de decisões racionais no setor da Saúde e ao melhoramento do nível de compreensão prática e teórica do pessoal envolvido. O Comitê recomendou a criação de maior número de centros de treinamento em informática em Saúde, especialmente nos países deficitários neste aspecto, bem como a cooperação a nível europeu e internacional.  

Neste artigo pretendemos dar uma idéia panorâmica sobre o histórico, a filosofia e os projetos atuais de educação em informática médica na Europa, em geral, com alguns exemplos na Alemanha, em particular, com o intuito de dar subsídios a todos os interessados em implementar programas desse tipo no Brasil. Esta apresentação foi feita pelo primeiro autor durante o VIII Curso de Capacitação Docente de Informática em Saúde, realizado pelo Núcleo de Informática Biomédica da Universidade Estadual de Campinas em Recife, janeiro de 1997.  

Usuários e Objetivos 

Os projetos educacionais em Informática em Saúde têm como alvo todos os profissionais que produzem, coletam, fornecem e analizam informação, tais como gerentes, planejadores, coordenadores, administradores de hospitais etc. Também se destinam a profissionais da área assistencial, educação e pesquisa, tais como médicos, enfermeiros e outros, pesquisadores, etc. Finalmente, há necessidade de formação específica até mesmo para os gerentes de sistemas de informação, especialistas em computação e estatística.  

Os diferentes cursos têm como objetivo expandir, complementar e melhorar os conhecimentos dos usuários sobre diferentes aspectos do uso de tecnologias digitais de informação na saúde, tais como:  
 

  • aspectos de organização de Sistemas de Informação Hospitalar (SIH); 
  • seleção e análise adequada de informação; 
  • sistemas de codificação (CID etc.); 
  • padrões em tecnologias e comunicação; 
  • bases de conhecimentos e ferramentas de apoio à decisão; 
  • aplicações em Saúde Pública, estatística, epidemiologia; 
  • aplicações em economia em Saúde, controle de qualidade; 
  • aspectos éticos, legais e confidenciais de sistemas de informação; 
  • etc. 

Programas Diversificados 

A educação e o treinamento em Informática em Saúde pode ocorrer em muitos locais e de muitas formas diferentes, mas sempre devem envolver alguma forma de cooperação entre os profissionais das várias áreas. Assim, é importante realizar treinamento multidisciplinar (incluindo aspectos da saúde, da informática, das ciências da informação, etc.), o treinamento em serviço (aprendendo no trabalho), e o treinamento nas escolas (medicina, enfermagem, etc). É especialmente recomendável criar-se unidades especializadas para educação e pesquisa em informática em Saúde nas várias instituições onde se pretende implementar os programas, e ter centros de referência e de excelência em informática em saúde em vários pontos do país. Muitos desses centros se encarregarão de montar programas formativos mais extensos, atribuido títulos de qualificação formal, tais como mestrado, doutorado, especialização, etc. Devido ao seu envolvimento com as soluções existentes no mercado, é essencial a cooperação com a indústria, bem como a cooperação internacional, para troca de experiências.  

Na Europa, deu-se início, há alguns anos, a um extenso e abrangente programa de educação e treinamento em Informática em Saúde, financiado pela Comunidade, denominado EDUCTRA (Education and Training of Health Informatics in Europe). Trata-se de uma ação conjunta) para realizar os objetivos esboçados pelo Comitê dos Ministros. 1993-1994, o qual foi posteriormente renovado. O projeto IT EDUCTRA tem como metas:  

  

  • A análise da situação atual da Comunidade 
  • A elaboração de um currículo mínimo ("core curriculum") em Informática em Saúde 
  • A promoção de programas de treinamento nas escolas (medicina, enfermagem, etc.) 
  • A produção e divulgação de material didático: livros, cartilhas, slides, módulos multimídia, (CD-ROM, Internet), etc. 
  • A organização de cursos e seminários, inclusive através da educação a distância
Outro programa europeu voltado ao desenvolvimento de cursos, projetos, softwares e materiais didáticos é o EuroMISE, cujo centro é localizado na Charles University de Praga, República Tcheca. Entre os cursos ministrados, destaca-se o Curso Europeu de Informática Médica, ministrado anualmente com professores de vários países.O suporte internacional às atividades de educação em Informática em Saúde é dado ainda por vários grupos de trabalho, como o WG1 - Informatics and Medical Education, da International Medical Informatics Association, o WG6 - Medical Informatics Education, da European Federation of Medical Informatics (EFMI), e o Working Group on Education, da American Medical Informatics Association. O WG1 mantém uma base de dados acessível on-line com cursos em todos os níveis.  

 

A situação na Europa  

Uma análise sobre os conhecimentos em tecnologia de informação na área da saúde foi feito em 12 países europeus em 1993. No que pese o grande desenvolvimento de alguns países, notou-se uma desinformação dos profissionais de saúde quanto às possibilidades e limitações dos cursos existentes. A maioria deles era direcionado para treinamento no uso de um sistema específico de informatização hospitalar, sem oferecer conhecimentos gerais. Os SIH normalmente eram limitados a aplicações financeiras e administrativas, e os sistemas departamentais eram geralmente isolados. Outra deficiência foi o fato de que os médicos dos hospitais geralmente trabalhavam com PCs sem conexão com o SIH, e utilizavam esses recursos mais para o processamento de textos, elaboração de gráficos, etc., do que para tarefas apoiadas pela automação hospitalar.  

Quanto à situação da educação em Informática em Saúde, a maioria das escolas de medicina oferece aulas (geralmente teóricas e opcionais) em informática em Saúde aos seus estudantes. Existem departamentos, institutos e cátedras de informática médica em alguns países, sendo os pioneiros nesse sentido a Alemanha e Holanda. A informática médica é uma especialidade médica na França. Em alguns paises há aulas de introdução ao uso do computador, mas não especificamente sobre informática em Saúde (são os cursos denominados de "alfabetização em computação"). Em geral, pouco ou nenhum ensino de informática em Saúde é praticado nas escolas de enfermagem.  

Os Níveis de Formação 

O modelo genérico de educação em informática em saúde adotado na Europa procura introduzir o treinamento e a formação em diversos níveis. A formação de especialistas pode ocorrer nos seguintes níveis:  
 
  • Nível secundário (escolas técnicas) ou técnicos de nível superior (universidades); 
  • Nível terciário: graduação universitária (bacharelado) 
  • Pós-graduação strictu senso (mestrado, doutorado, pós-doutorado) e latu senso (especialização). 
  • Formação em serviço 
Quanto ao treinamento e especialização de estudantes de graduação de outras áreas, podem ser:  
 
  1. Para estudantes da área de saúde: introdução de disciplinas e cursos obrigatórios e/ou eletivos sobre informática e suas aplicações; 
  2. Para estudantes das áreas exatas (engenharia, computação, etc.): possibilidade de especialização em aplicações médicas, com disciplinas ditas de nivelamento (noções sobre medicina e sistemas de saúde) e disciplinas especiais. 
Para exemplificar alguns desses níveis, vamos expor brevemente o que acontece na Alemanha.  

Documentação Médica: Como um exemplo bem-sucedido de formação em nível técnico, diversas universidades alemãs introduziram os cursos de Documentação Médica, com duração de três anos. O objetivo é formar profissionais de suporte, que se responsabilizam pela operação dos sistemas de documentação informatizada das instituições nas áreas da saúde (hospitais, institutos de pesquisa, indústrias farmacêuticas, bibliotecas, etc.), ou seja, o chamado "arquivista médico". Os candidatos devem ter segundo grau completo ou terem cursado escola profissionalizante. Os programas são subsídiados pelo Ministério do Trabalho, através de bolsas de estudo. O conteúdo do curso engloba fundamentos de informática, aulas práticas de programação (Visual Basic), bancos de dados (MS Access), processamento de textos (Word), planilha de cálculo (Excel), matemática, estatística, anatomia, fisiologia, clínica, saúde pública, documentação de literatura, sistemas de codificação, economia e organização e inglês.  

Graduação em Informática Médica: a Alemanha foi o primeiro país a ter a Informática Médica ensinada em nível de graduação, e a regulamentar essa profissão, na década dos 70. Diversas universidades, como a de Heidelberg, Freiburg, etc., montaram cursos desse tipo. Vinte anos depois, tinham sido formados 600 profissionais, a maioria dos quais prosseguia atuando na área. O curso dura 4,5 anos e ensina informática médica como uma disciplina médica e científica. Seu objetivo é a formação de especialistas em Informática Medica para trabalhar em hospitais, indústrias, orgãos públicos, pesquisa etc. O conteúdo do curso é muito forte e bem organizado, abrangendo matemática, informática, fundamentos de medicina, biometria, economia e organização, processamento de sinais biológicos e imagens, construção de modelos, processamento de informação e sistemas baseados em conhecimento.  

Padronização 

O sistema educacional da Alemanha sempre se caracterizou por uma constante busca pela padronização e por níveis mínimos de qualidade. Assim, tem surgido diversas normas para currículos, que tem sido adotadas em nível europeu. A Sociedade Alemã de Informática Médica, Biometria e Epidemiologia (GMDS) propôs dois currículos diferentes a serem oferecidos para graduandos em Informática (na forma de uma especialização em aplicações em medicina) e para graduandos em medicina (aulas de informática, de preferência informática prática). Em comum, os currículos têm informática médica, biometria médica, economia, em três semestres de estudo, com um semestre para preparo de tese.  

Foi produzido um Catálogo Oficial da Matéria de Informática Médica para Estudantes de Medicina na Alemanha, que lista com detalhes os conhecimentos que devem ser adquiridos sobre:  
 

  • Conceitos basicos da informática. Sistemas de informação em Medicina 
  • Funções básicas de computadores, planejamento e seleção de sistemas de informatização 
  • Documentação: tipos, estrutura e busca de documentos 
  • Codificação: conceitos médicos, classificações e nomenclaturas. CID, SNOMED, etc 
  • Registros médicos: tipologia, avaliação, parâmetros epidemiológicos. 
  • Controle de qualidade. medição, metodologia, legislação. 
  • Sistemas aplicativos: SIH, cadastro médico, sistemas de informatização de consultórios, bases de conhecimentos, bases de dados (MEDLINE etc.) 
  • Educação assistida por computador 
  • Proteção de dados e privacidade 
Muitas faculdades adaptam esse currículo de acordo com as possibilidades locais (existência de docentes, interesse dos alunos, recursos disponíveis, etc.). Por exemplo, a educação em Informática Médica na Faculdade de Medicina da Universidade de Freiburg, oferecemos um curso de Informática Médica com um número pequeno de aulas obrigatórias, e um número maior de aulas opcionais (práticas), sobre Medicina e Internet, instrução assistida por computador, pesquisa bibliográfica com MEDLINE. Dispomos de um laboratório didático, com vários microcomputadores ligados em rede e com acesso à Internet e a um servidor com software educacional médico.  

Outra atividade educacional é realizada no Centro de Treinamento para Funcionários do Hospital Universitário de Freiburg. Nela, ensinamos os funcionários a utilizar as funções básicas do microcomputador, DOS, Windows 95, WinWord, WordPerfect, Excel, Access, PowerPoint (cursos para noviços, avançados e experts), correio eletrônico, bem como o uso de programas aplicativos do SIH de Freiburg: admissão/alta, pedidos de medicamentos e materiais, arquivo médico, aplicações administrativas e financeiras (contabilidade, gestão de ativos, gestão da manutenção, recursos humanos etc.)  
 
 

Recursos na Internet 

Projeto IT Eductra (Educação em Informática em Saúde): http://www. fundesco.es/it-eductra/ited0000.htm  

Project Nightingale (Educação em Informática em Enfermagem): http://nightingale.dn.uoa.gr/index2.htm  

Project EuroMISE: http://test.euromise.cz/cgi-bin/toCP1250/main.html  

European Medical Informatics Course: http://test.euromise.cz/cgi-bin/toCP1250 /english/courses/kurs98.html  

IMIA Working Group 1: Informatics in Medical Education: http://www.rzuser.uni-heidelberg.de/~d16/  

European Federation of Medical Informatics Working Group 6: Education in Health Informatics. http://www.hiscom.nl/efmi/wg6a.htm#w6  

GHIFT - Gateway to Health Informatics For Teaching. University College London Medical School http://www.chime.ucl.ac.uk/ghift/  

AMIA Education Working Group: http://www.amia.org/wg01.html  

Medical Informatics Educational References, University of California at Davis Center for Medical Informatics http://informatics.ucdmc.ucdavis.edu /Informatics/Links.html-ssi   

Training environments in Medical Informatics, Section on Medical Informatics, Stanford University School of Medicine. http://www-smi.stanford.edu/smi/academics/informaticsprgms.html  

Educational opportunities in nursing informatics, AMIA Nursing Informatics Working Group. http://www.gl.umbc.edu/~abbott/NIprogram.htm 

 

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Os Autores

Os autores são professores do Instituto de Informática Médica
da Universidade de Freiburg, Alemanha
 
© 1999 Renato M.E. Sabbatini
Núcleo de Informática Biomédica 
Universidade Estadual de Campinas 
Campinas, Brasil
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