Revista de Informatica Medica
Vol. 1 No. 5 Set/Out 1998

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Informática Médica: Um Pouco de História

Michael Hogarth

Durante a última década, o termo informática médica tem sido crescentemente utilizado para descrever uma ampla variedade de disciplinas interrelacionadas. Infelizmente, isto conduziu a um pouco de confusão em relação à sua definição. Muitos utilizam o termo para descrever tudo o que diz respeito à computação médica e à qualquer disciplina relacionada. Porém, o campo de informática médica está de fato há mais de 30 anos em construção e tem seu enfoque mais na estrutura da informação médica, do que nos seus aspectos técnicos.

As origens da disciplina geral de informática podem ser traçadas a uma publicação russa intitulada Oznovy Informatiki (Fundamentos da Informática), publicada em 1968. Na época, foi descrita como um conceito de ciência da informação, no contexto de uma era emergente de computação. O Dicionário Oxford de Inglês descreve informática como "a disciplina científica que investiga a estrutura e as propriedades da informação". Assim, no seu sentido mais exato, informática médica é a disciplina que investiga a estrutura e propriedades de informação médica. De acordo com esta visão, Shortliffe e Perrault descrevem a informática médica da seguinte maneira:

" é o campo científico que trata do armazenamento, recuperação, e uso otimizado da informação biomédica, dados, e conhecimento para a resolução rápida de problemas e tomada de decisões"

Notavelmente, esta definição não faz nenhuma menção a computadores ou tecnologia de informação. Ao contrário, prefere enfocar o tema "informação", em lugar da ferramenta - o computador.A Informática Médica diz respeito à informação e como ela é capturada, usada e armazenada, e não ao equipamento que torna tudo isso possível. A distinção nem sempre é óbvia. Porém, entendendo-se o seu significado, percebe-se que as relações e as propriedades de informação são tão importantes para a computação médica como o hardware é necessário para a sua distribuição. Isto é vital para entender o campo de informática médica e como ela impactará a computação médica no futuro.

As Origens

A disciplina conhecida como informática médica nasceu presumivelmente quando foi descrita pela primeira vez em um documento sobre educação em informática para profissionais de saúde, em 1974. No entanto, existem exemplos do uso dos princípios gerais da informática que datam de muito antes. Um cirurgião escocês chamado Roget inventou um método moderno de representar o conhecimento, baseado no princípio que todas as coisas "são somente conceitos", que podem ser descritos de diversas maneiras. Duas maneiras de descrever o mesmo conceito são chamadas de sinônimos. Além disso, ele colocou para muitos conceitos os antônimos (conceitos opostos), e verbos, substantivos e adjetivos relacionados semanticamente (pelo significado) ao um determinado conceito. Deste modo ele desenvolveu a Roget's Encyclopaedia of English Words and Phrases em 1852. como um sistema de achar facilmente um conceito qualquer do idioma, mesmo quando os indivíduos o descrevem com terminologias diferentes.

De maneira interessante, a metodologia original de Roget foi empregada novamente pela Biblioteca Nacional de Medicina (National Library of Medicine) dos EUA em 1986, quando começou o desenvolvimento do metatesauro do Unified Medical Language System (UMLS). Este metatesauro é o componente médico de um grande dicionário de nomenclatura, com a finalidade de satisfazer a necessidade de um vocabulário médico unificado e interligado através de conceitos. Tal vocabulário é necessário para categorizar as fontes de informação biomédicas e facilitar a recuperação de informação. No entanto, o sistema também ganhou popularidade como um vocabulário para sistemas médicos computadorizados. No momento, o UMLS é um empreendimento volumoso, com cerca 500.000 termos e 252.000 conceitos. Sua grande vantagem é usar sinônimos e equivalências entre as diversas nomenclaturas padrão da medicina, bem como conceitos relacionados semanticamente entre si, para proporcionar um sistema escalonável de acesso a termos que frequentemente ocorrem de maneira diferente em medicina (por exemplo: sociopatia e personalidade antissocial são a mesma entidade clínica, com nomes diferentes. O UMLS mapeia todas essas relações)

O UMLS é o exemplo mais moderno e desenvolvido dos sistemas de nomenclatura e classificação médica, tão importantes para o desenvolvimento da informática médica, e que tiveram início através da Classificação Internacional de Doenças, atualmente em sua décima versão (CID-10) e mantida pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Dr. John S. Billings

Outro desenvolvimento importante foi o uso de métodos específicos de armazenamento de informação e de manipulação de dados no final do século passado, quando o Dr. John Shaw Billings, que na época era o Cirurgião General do Exército, passou a editar o famoso Index Medicus, um índice da literatura médica mundial. em 1890.

As máquinas tabuladoras, inventadas por Hermann Hollerith para tabular o censo dos EUA, são consideradas por muitos como a gênese da revolução de informação. Ele descreveu um dispositivo eletromecânico que podia ser usado para tabular dados automaticamente por meio de cartões perfurados, em 1890. O impacto da tecnologia foi amplamente demonstrado quando se constatou que foram usadas apenas 56 máquinas Hollerith para processar a informação do censo de 62 milhões de pessoas, dois anos antes do prazo e custando 5 milhões de dólares a menos que o orçamento previsto!

Uma tabuladora de cartões perfurados Hollerith

Hollerith deixou o trabalho governamental em 1896, para estabelecer uma empresa, a International Tabulating Machines, que mais tarde se transformou na IBM, em 1924. As máquinas tabuladoras foram desde cedo usadas para processar informação médica, como um projeto desenvolvido no final do século passado, pelo próprio Hollerith, de automatização das estatísticas de altas hospitalares do estado de Nova Iorque.

No final da década dos 40, um dos primeiros computadores digitais modernos foi usado na Alemanha para automatizar o registro de tumores do hospital de Heidelberg.

US National Library of Medicine: primeiras estantes na sua fundação e prédio atual, em Bethesda, MD.

Incidentalmente, o Dr.Billings também estabeleceu e se tornou o primeiro diretor da Biblioteca Nacional de Medicina (NLM), tendo inclusive doado seu primeiro acervo de livros, a partir de sua biblioteca médica pessoal, A tecnologia foi usada novamente no resultado do trabalho do Dr. Billings em 1966, quando foi computadorizado o Index Medicus. O sistema resultante, conhecido como MEDLARS, tornou-se o primeiro sistema de informação on-line acessível publicamente. Hoje, tais sistemas estão envolvidos praticamente em todos os aspectos de nossas vidas.

O Amadurecimento

Com a formalização da disciplina em 1974, a informática médica passou a ser crescentemente reconhecida como um componente importante da prática global de medicina . Surgiram muitos centros acadêmicos e de pesquisa de informática médica, com o interesse de se desenvolver sistemas de registro médico computadorizado que incorporassem princípios básicos de projeto determinados pela informática médica. A maioria destes sistemas sobrevive até hoje e estão até passando por um ressurgimento devido, aos sistemas de medicina baseada em evidências. Um exemplo de tal sistema é o Help System, desenvolvido pela Universidade de Utah, no Later Saints Days Hospital de Salt Lake City, sob a direação do Dr. Homer R. Warner. Outros exemplos de grupos de informática médica que desenvolveram sistemas de computação médicos integrados incluem o TMR (The Medical Record) pela Duke University e o RMR (Regenstrief Medical Record), na Universidade de Indiana.

Dr. Edward Shortliffe, na época em que desenvolveu o sistema MYCIN (à esq.). Dr. Homer R. Warner, um dos pioneiros da informática médica dos EUA (à dir).

Outras áreas que deram um grande ímpeto à Informática Médica foram a das aplicações da Inteligência Artificial à medicina, a qual se iniciou com o desenvolvimento dos primeiros sistemas especialistas de apoio à decisão, como o MYCIN, desenvolvido pelo Dr. Edward Shortliffe, de Stanford, em 1974; e a das aplicações da computação no ensino médico, exemplificado pelos primeiros sistemas de avaliação formativa, tutoriais eletrônicos e simulações de casos clínicos, como os desenvolvidos pelo Dr. A. Octo Barnett, na Universidade Harvard, que também foi o inventor do MUMPS (Massachussetts General Hospital Utility for Multiprogramming Systems) em 1972, uma linguagem de programação multiusuária voltada aos bancos de dados médicos, que teve um papel fundamental nos primeiros sistemas de informação hospitalar e laboratorial.

Dr. Donald Lindberg

No mesmo período de tempo ocorreu um forte programa de desenvolvimento da informática médica nos Estados Unidos, financiado em grande parte pela Biblioteca Nacional de Medicina. Em 1986, o Dr. Donald Lindberg, um dos "pais" da informática médica americana, tornou-se o diretor do NLM e deu início a uma nova era. Um patologista médico treinado, o Dr. Lindberg conduziu a NLM para grandes realizações, inclusive o refinamento adicional do MEDLINE, a base de dados bibliográficos do MEDLARS, o desenvolvimento da base de imagens "Ser Humano Visível" e do UMLS, assim como o financiamento de conexões à Internet para hospitais rurais e de projetos de telemedicina. Sob sua direção, a NLM continua sendo o principal patrocinador da pesquisa acadêmica na área de informática médica.

Sala com fitas magnéticas do sistema MEDLARS

O Futuro

Embora a área de computação médica tenha contribuído significativamente para a melhoria da atenção à saúde, ainda há tremendos desafios para os informatas médicos. Por exemplo, freqüentemente imagina-se que os benefícios de um sistema de registro médico sem papel são facilmente percebidos, uma vez que toda a informação disponível em papel é digitalizada.

Um estudo feito por Shortliffe lança uma sombra sobre este otimismo. O estudo de 168 visitas sucessivas realizadas a uma clínica de Medicina Interna revelou que, apesar dela ter toda as histórias clínicas de seus pacientes, com resultados de laboratório e de radiologia, em 81% das visitas alguma informação julgada importante pelo médico não estava disponível. Em outras palavras, esta informação não tinha sido capturada no processo de gerar a informação que julgamos necessária hoje. Este é um problema que provavelmente já teria sido resolvido através de digitalização dos recursos de informação baseados em papel, tornando-os disponíveis para os médicos. É um problema de informação, não um problema de informática!

Achados semelhantes foram relatados pelo Workgroup for Electronic Data Interchange, de que 50% dos registros médicos baseados em papel hoje, ou estão perdidos completamente ou contêm dados incompletos. Outro estudo feito em 1996, encomendado pelo Institute of Medicine dos EUA, descobriu que cerca de 30 % das prescrições de tratamento médico nunca são documentadas.

Estes são problemas de aquisição de informação e requerem um conhecimento íntimo do conteúdo de informação, o ambiente no qual ela é coletada, e a tecnologia que é usada para capturá-la, de maneira a obter uma solução viável. Estas são as ferramentas de um informata médico que progride.

Em resumo, o campo de informática médica não é novo, contudo parece estar em sua infância no que se refere a incrementar a prática médica. A informática médica tem o potencial de beneficiar o atendimento ao paciente, de uma maneira tão efetivao quanto a descoberta de um novo medicamento ou terapia. Os seus benefícios diretos serão derivados do fato de podermos aumentar a capacitação e a ação dos médicos e de outros profissionais de saúde , através do melhor acesso ao conhecimento médico e informação. Esta é a promessa de informática médica e estará à frente evidentemente do processo de forjar uma nova prática médica na era da informação.

Bibliografia

Collen, MF - A History of Medical Informatics in the United States: 1950-1990. AMIA Press 1996

Shortliffe EH & Perrault, E. (Eds.) - Medical Informatics : Computer Applications in Health Care. Addison Wesley, 1990.

Collen MF. Origins of Medical Informatics. West J Med. 1986 Dec; 145:778-785.

Lindberg DA. The National Library of Medicine and Medical Informatics. West J Med 1986 Dec 145:786-790.

Veja também: História da Informática Médica no Brasil

Recursos na Internet

American Medical Informatics Association: www.amia.org

História da Informática:
www.comlab.ox.ac.uk/archive/other/museums/computing.html

International Association of Medical Informatics: www.imia.org

MEDLINE: www.ncbi.nlm.nih.gov/PubMed

National Library of Medicine: www.nlm.nih.gov

Organização Mundial da Saúde: www.who.ch

Projeto "Visible Human": www.vhd.org.br

Sistemas Especialistas em Uso na Medicina:
www-uk.hpl.hp.com/people/ewc/list.html

Systematized Nomenclature of Medicine (SNOMED):
www.snomed.org/

The Medical Record (TMR): http://bhomer.mc.duke.edu/db/tmr/index.htm

Unified Medical Language System (UMLS):
www.nlm.nih.gov/pubs/factsheets/umls.html

O Autor

Michael A. Hogarth é médico, professor e pesquisador em Informática Médica da Universidade da Califórnia em Davis, EUA, e membro do Internet Working Group da American Medical Informatics Association.
Email: mahogarth@ucdavis.edu

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© 1998 Renato M.E. Sabbatini
Núcleo de Informática Biomédica
Universidade Estadual de Campinas
Campinas, Brasil

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