
Educação Médica à
Distância pela Internet
Silvia Helena Cardoso
O modelo educacional usado nas universidades
tem permanecido estático e resistente a mudanças por muitas
décadas. Os professores utilizam sempre os mesmos tipos de aulas
e as mesmas abordagens educacionais, sem praticamente inová-las,
e continuam a centralizar o aprendizado na figura do professor, que é
o controlador e o agente de todo o processo instrucional.
Cada vez mais, este modelo tem se comprovado ser ineficaz frente às
novas realidades do mercado de trabalho e do progresso do conhecimento.Mas
algo está começando a mudar. Com o surgimento das novas tecnologias
educacionais, como a Internet e o CD-ROM, a TV digital, etc., o sistema
educacional gradativamente está mudando o seu foco, deslocando-o
do ensino (instrução) para o aprendizado (centrado no aluno,
que passa a ser chamado de aprendiz). Essa mudança se baseia em
parte no desenvolvimento das teorias da modernas da aprendizagem, que mudaram
a natureza da nossa percepção sobre como ocorre o aprendizado
e qual é o papel do aprendiz. O conhecimento é considerado
como uma ação e comunicaçào contruída
socialmente envolvendo os aprendizes, enquanto o papel do professor é
visto agora como o de um facilitador desse processo, ao invés de
condutor único.
Tudo isso, evidentemente, vai ter um grande impacto sobre a educação
médica, especialmente sobre a educação médica
continuada. O enorme progresso da medicina nas últimas décadas
passou a exigir que o médico e outros profissionais de saúde
estudem continuamente, para se manter atualizados. Para ser um eterno aprendiz,
o médico precisa ser capaz de aprendizado autônomo. A educação
à distância, portanto, está necessariamente envolvida
nesta evolução. Com a Internet, novos paradigmas têm
aparecido, e suas surpreendentes possibilidades estão capturando
a imaginação e interesse de educadores ao redor do mundo,
levando-os a repensar a natureza do ensino e aprendizagem médica.
Somente recentemente, educadores começaram a desafiar a adequação
deste modelo para a aprendizagem e a entender quais são as bases
tecnológicas necessárias para implementar o ensino à
distância.
Neste pequeno artigo, procuramos dar uma noção básica
sobre como colocar um curso interativo à distância na Internet,
para aqueles que têm material educacional e desejam oferecê-lo
Baseamo-nos em nossa recente experiência de projetar e implementar
diversos cursos à distância na área da saúde,
entre os quais um curso de metodologia científica, e outro de neurobiologia
básica para clinicos, através do Núcleo
de Informática Biomédica da UNICAMP.
Tipos de Interação
Existem duas grandes vertentes para as diferentes tecnologias de ensino
à distância, que dizem respeito ao parâmetro "tempo"
no processo de ensino e aprendizado:
- Tecnologias assíncrônicas: são aquelas nas
quais o estudante e o professor não interagem em tempo real. Um
bom exemplo é um show de slides, desenvolvido em PowerPoint e colocado
na Internet, com ou sem a voz e a imagem do professor. O aluno assiste
quando quiser, e não necessita da presença do professor.
O correio eletrônico é outro exemplo, e este é interativo:
o aluno faz e responde perguntas, envia dúvidas, recebe textos,
envia trabalhos, enfim, interage com o professor. No ensino à distância
existe um predomínio das tecnologas assincrônicas, pois elas
permitem que o aluno progrida ao seu próprio ritmo, e recorra ao
professor somente quando necessário. Além disso, permite
o ensino de massa.
- Tecnologias sincrônicas: neste caso ocorre uma interação
em tempo real entre o professor e o aluno. As salas de "chat"
(bate-papo eletrônico) e as videoconferências interativas são
bons exemplos. São tecnologias mais complexas, e que limitam o aluno
e o professor, tanto no tempo (têm data e hora marcada), quanto no
tamanho da classe possível.
Cursos na WWW
Um curso à distância ministrado pela Internet pode usar
muitas das funções disponíveis, como email, FTP, "chat",
vídeo e áudio, etc. Normalmente, ele é implementado
na forma de um conjunto de páginas de hipertexto (textos vinculados
a outras páginas) disponíveis na World Wide Web, o qual dá
acesso a sua estrutura e seqüenciamento.

Exemplo de uma home page para um
curso virtual de neurobiologia
A implementação na WWW também tem a vantagem de
dar acesso estruturado a recursos de multimídia. O curso deve ser
dividido idealmente em módulos interdependentes, pois isso facilita
o estudo. Cada módulo tem um conjunto de recursos on-line, tais
como artigos, anotações de aula, revistas eletrônicas
e livros multimídia, listas de sites da web, show de slides (com
e sem narração), videoclips, softwares para download, simulações
clínicas interativas e questionários interativos.

Transmissão de videos em
RealVideo através da Internet
Além disso, a home-page deve conter um conjunto de objetivos
gerais e educacionais, uma lista das avaliações obrigatórias
e eletivas e uma descrição das atividades e recursos as quais
é recomendável ao aprendiz acessar, enquanto ele estiver
estudando o módulo. Uma lista dos professores e alunos, com links
de acesso às suas home-pages pessoais e endereços de email
completam o elenco de informações gerais sobre o curso.A
interação com os tutores pode ser fornecida de forma assincrona,
via links de email e uma lista de discussão ou newsgroups (grupos
de notícias na Internet); e uma interface de uma sala virtual interativa
baseada na web, onde as atividades sincrônicas podem ocorrer.

Classe virtual interativa usando
o NetMeeting.

Show de slides em PowerPoint através
da WWW
Controle do Aprendizado
O controle acadêmico pode ser realizado de diversas maneiras.
Seu objetivo é aferir o aproveitamento do aluno, controlar as suas
obrigações (entrega de trabalhos, completação
dos módulos, freqüência nos chats, etc.) e geralmente
é implementado através de programas (software), colocados
no servidor onde está sediado o curso. Os estudantes podem ter acesso
protegido por senha, e o programa de controle acadêmico mantém
uma base de dados com todos os dados do progresso dos aprendizes e da avaliação,
notas, etc. Os módulos podem ser organizados de acordo com uma árvore
de precedência e a transição de um módulo a
outro é permitida automaticamente (ou não), de acordo com
os seus pré-requisitos.

Questionário interativo de
avaliação na Internet, utilizando JavaScript
Recursos
Atualmente existem na Internet centenas de ferramentas de software que
permitem a criação e gerenciamento de cursos pela WWW: editores
de páginas em HTML, programas gráficos, módulos de
"chat", grupos de notícias, questionários interativos
e listas de discussão, programas de conversão de áudio
e vídeo, etc. Recomendamos o livro de McCormack & Jones (1997)
e o site correspondente, para uma lista de recursos e possibilidade de
download dos softwares mais úteis.
Além disso, existem sistemas completos, como o WebCT, que permitem
implementar de forma muito fácil todos os aspectos de um curso,
provendo, inclusive, as ferramentas de controle acadêmico citadas
acima.Em conclusão, as características técnicas e
abordagens educacionais utilizadas nos cursos à distância
através da Internet podem ser consideradas apropriadas e altamente
efetivas para fornecer aprendizagem centrada no estudante via WWW, particularmente
quando existem dificuldades de oferecer este curso a uma audiência
ampla e geograficamente dispersa.
Referências
MacKenzie JD and Greenes RA. The World Wide Web: redefining medical
education. JAMA 1997 Dec 3;278 (21): 1785-1786.
Zucker J, Chase H, Molholt P, Bean C, Kahn RM. A comprehensive strategy
for designing a Web-based medical curriculum. Proc AMIA Annu Fall Symp
1996;:41-45.
Barnett GO. Information technology and medical education. J Am Med Inform
Assoc 1995 Sep;2(5):285-295.
McCormack, C; Jones, D - Building a Web-Based Education System. Wiley,
1997.
Os Autores
Renato
M.E. Sabbatini, PhD, é diretor do NIB/UNICAMP, professor de Informática
Médica da Faculdade de Ciências Médicas e editor das
revistas Intermedic e Informática Médica. Email: renato@sabbatini.com
Silvia
Helena Cardoso, PhD, é pesquisadora associada do Núcleo de
Informática Biomédica da Universidade Estadual de Campinas,
onde dirige a área de educação à distância.
É editora associada da revista Informática Médica
e Intermedic, e editora-chefe da Revista Cérebro & Mente. http://nib.unicamp.br/~cardoso.