Revista de Informatica Medica
Vol. 1 No. 4 Jul/Ago 1998

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Utilizando Simulações no Ensino Médico

Silvia Helena Cardoso

A visão clássica de ensino, ou seja, aquela em que o professor exerce o papel ativo de provedor de todo o conhecimento, e o aluno o papel passivo de recebê-lo, está se transformando rapidamente sob o peso das novas tecnologias. O novo modelo é centrado no aluno, no qual ele passa a ter um papel muito mais ativo e autônomo na busca do aprendizado e do conhecimento.

A educação à distância baseada em computadores é uma das tecnologias educacionais que está envolvida nesta evolução, pois devolve a iniciativa do aprendizado ao estudante, e possibilita o progresso individualizado. Com a Internet, particularmente, têm surgido novos paradigmas de intercâmbio de informação à distância, e suas surpreendentes possibilidades estão capturando a imaginação e interesse de educadores ao redor do mundo, levando-os a repensar a natureza do ensino e da aprendizagem.

Com relação ao ensino prático em ciências biomédicas, são universais as dificuldades em se conseguir material, equipamentos e pessoal técnico especializado para montagem de laboratórios e de um programa de aulas práticas, seja pelos altos custos de aquisição e manutenção, seja pelo domínio técnico do manejo dos equipamentos. Além disso, as dificuldades de locomoção de alunos para participação de cursos nos grandes centros educacionais também tem frustrado o ideal daqueles indíviduos interessados em aprender.

Na tentativa de resolver pelo menos em parte estes problemas, e com o objetivo de facilitar e aprimorar o aprendizado, os pesquisadores estão começando a perceber a necessidade de buscar uma alternativa para o modelo tradicional do ensino prático nesta área: a simulação biológica.

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Simulação Biológica

A simulação biológica é um recurso de aprendizagem que permite ao estudante observar o comportamento de um determinado sistema orgânico através de um modelo do mesmo, ou seja de uma representação matemática, gráfica ou simbólica de um fenômeno. Por exemplo, um potencial de ação de um axônio pode ser representado por um conjunto de equações matemáticas, que modelam de forma bastante fiel o comportamento dos íons, correntes e potenciais elétricos, fenômenos ativos e passivos, etc., que são responsáveis pelo mesmo (o modelo mais usado neste sentido recebe o nome de seus criadores, os fisiologistas ingleses Hodgkin e Huxley).

Utilizando-se um sistema de resolução matemática rápida destas equações em função do tempo (geralmente um computador com capacidade gráfica), o aluno pode obter na tela o traçado de um potencial de ação extremamente semelhante ao fenômeno real. Quando se permite neste software que o aluno modifique os parâmetros do modelo de uma forma sistemática, a simulação funciona como se fosse um laboratório experimental, sem que haja a necessidade do estudante dominar técnicas de trabalho com animais, anestesia, cirurgia, medidas experimentais, etc..

O objetivo principal da simulação, portanto, é dar aos professores e estudantes uma oportunidade para estudar fenômenos biológicos baseados nas técnicas e ferramentas existentes em um laboratório tradicional, quando este laboratório não está disponível para este tipo de aprendiz. Assim, procura-se desenvolver simulações que sejam a mais próximas possível da realidade.

O interesse aumentado pela simulação em medicina e ciências biomédicas já é conhecido há várias décadas, principalmente como parte de pesquisas quantitativas sobre determinados fenômenos. Os modelos desenvolvidos, no entanto, têm valor didático, ao permitirem a criação de "laboratórios virtuais", muitas vezes de forma mais simplificada.

Sistema SimBioSys de simulação fisiopatológica para ensino médico em microcomputador

A partir do final da década dos 70s, com o aparecimento de microcomputadores de baixo custo, a modelagem e simulação no ensino da bioquímica e fisiologia têm sido usadas em um número cada vez maior de situações. Diversos grupos universitários, como o da Universidade de Mississippi, liderado pelo Prof. Guyton, desenvolveram complexos simuladores e os utilizaram como coadjuvante no aprendizado da fisiologia, com excelentes resultados. Em neurofisiologia, alguns programas que estão sendo extensamente usados no ensino são o Neuron e o Neurosim, que permitem ao aluno a construção de neurônios, seus circuitos e condutibilidades, e investigação de propriedades dos canais de membranas, e até redes neurais interconectadas simples. Sistema complexos de simulação neurofisiológica realista para a pesquisa, como o Genesis, desenvolvido por Jim Bower na Caltech, também dispõem de módulos didáticos muito úteis. Em nosso meio, um dos pioneiros na utilização e no ensino das tecnologias de modelagem e simulação tem sido o Prof. Renato M.E. Sabbatini, inicialmente no Departamento de Fisiologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, e posteriormente no Núcleo de Informática Biomédica da UNICAMP.

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Efetividade da Simulação no Ensino

As simulações têm demonstrado ser ferramentas de aprendizagem muito efetivas, ainda que os professores tenham sido lentos para explorarem este claro potencial. Em estudos comparando programas de simulações com laboratórios tradicionais demonstrou-se que, embora a aquisição de conhecimento por ambos os grupos tenha sido a mesma, os estudantes tiveram uma atitude mais positiva na utilização em programas deste tipo, e que o custo de laboratórios convencionais baseados nesta abordagem foi de cinco vezes maior. A aprendizagem com simuladores é significativamente maior que os outros tipos.

Para promover o uso de simulações na educação é necessário facilitar o seu desenvolvimento e maximizar seu uso, principalmente por professores da área biomédica, que têm pouco know-how técnico e matemático. Muitos pesquisadores, certos desta necessidade, estão desenvolvendo ferramentas que tem por objetivo tornar mais fácil a produção simulações. Por exemplo, o projeto MultiVerse, no Learning Technology Centre da Heriot-Watt University, Edinburgh, fornece um ambiente de software para facilitar e encorajar o uso de simulações em educação e pesquisa.

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Vantagens e Desvantagens das Simulações

O uso de simulações para o ensino de fisiologia tem vantagens e desvantagens. Uma das maiores vantagens do uso de modelos é que os mesmos possibilitam a individualização e o entendimento dos componentes fisiológicos de um sistema mais complexo, o que dificilmente pode ser feito na prática laboratorial. Desse modo, facilita o aprendizado.

Entre as vantagens das simulações computadorizadas, temos ainda:

  • O software pode permitir a visualização gráfica e a mudança de parâmetros e variáveis que não seriam possíveis em um experimento biológico, inclusive com cálculo automático de variáveis derivadas, índices, etc.;
  • O professor pode propor experimentos, roteiros, perguntas, etc., que o aluno irá realizar, responder, escrever relatórios experimentais, etc.
  • A documentação visual e quantitativa dos experimentos pode ser feita facilmente no próprio computador do aluno;
  • A utilização do programa de simulação pelo aluno pode gerar uma autodocumentação, escores de acertos, roteiros seguidos, etc., que são gravadas em disco ou enviadas pela Internet e possibilitam ao professor avaliar as táticas de aprendizado e o desempenho do aluno;
  • A simulação pode incluir vínculos de hipertexto para acesso a material didático em forma digital (artigos, apostilas, manuais, shows de slides, vídeos, etc.), outros "sites" na Internet sobre o assunto, e muitos outros recursos que permitem o aprofundamento do aluno de acordo com seu grau de interesse.
  • As simulações podem ser usadas facilmente de forma intercambiável na fase de aprendizagem e na fase de avaliação da aprendizagem.

Como na maioria das ciências da computação, a WWW muito provavelmente terá um profundo efeito sobre a simulação desde que ela representa um novo caminho para publicar informação multimídia para o mundo. Os modelos são uma forma compacta e testável de representar informação científica sobre fenômenos biológicos. Portanto, eles têm um valor didático adicional, que é o de ensinar ao aluno os processos envolvidos na metodologia científica em fisiologia, bioquímica e outras ciências biomédicas.

Algumas das desvantagens são:

  • Os modelos geralmente representam de forma incompleta e simplista os fenômenos biológicos reais, podendo levar a falhas no seu realismo;
  • Os modelos representam apenas uma parte da função de um organismo, sendo desconectados dos seus aspectos integrativos e holísticos;
  • Existem muitos fenômenos biológicos interessantes que ainda não dispõem de modelos matemáticos tratáveis;
  • O contato com a experimentação biológica real ("wet laboratory") é perdido, podendo dar idéias incompletas ou incompetentes a respeito de um fenômeno biológico complexo;
  • É difícil controlar o uso dos simuladores pelos estudantes, de forma a atingir as metas educacionais.

Muitas dessas desvantagens são eliminadas à medida que a ciência biomédica progride no entendimento e modelagem dos fenômenos. Outras podem ser resolvidas pela própria tecnologia. O importante é que o professor tenha uma visão muito clara e objetiva de quais são as aulas práticas que podem ser efetivamente substituidas pelo "laboratório virtual", e quais não podem ou não devem.

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Simulações na WWW

Com o surgimento da Internet e da WWW (World Wide Web), e mais recentemente, com a possibilidade de usar programas aplicativos executáveis dentro de home-pages (applets), diversos grupos começaram a experimentar com programas de simulação matemática e gráfica on-line, tais como calculadoras da ação da bomba de sódio e do potencial de equilíbrio de Nernst e do potencial de ação para o ensino da fisiologia da membrana (pelos professores Dwyer e Coleman, da Universidade de Mississippi em Jackson), um simulador coclear auditivo e um simulador do olho, utilizando a programação Java e Shockwave para entender a ação dos músculos extrínsicos do olho e inervação sobre o controle dos movimentos ocular.

Exemplos de simulação através da Internet. A. Simulador de potencial de ação do nervo utilizando um plug-in de visualização específico.

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Simulador de movimentos oculares e suas patologias, em Java e ShockWave.

Entretanto, apesar desta clara demonstração do empenho de diversos pesquisadores em inovar e facilitar o ensino prático em medicina e biologia, alguns autores acreditam que nós ainda estamos na infância da simulação baseada na WWW e que deveríamos tentar determinar os futuros efeitos desta nova tecnologia sobre a pesquisa em simulação.

Desenvolvimento de Simulações na WWW Utilizando Java

A linguagem Java, juntamente com o grupo de tecnologias relacionados a ela, tem extendido substancialmente as capacidades de tarefas a nível de programas. A integração entre Java e a Web representa um avanço tecnológico que capacita fundamentalmente uma nova abordagem para a simulação, que torna possível o desenvolvimento de ambientes de suporte, baseados na Web, voltados para o desenvolvimento de um modelo colaborativo, documentação baseada em multimídia dinâmica bem como uma ampla análise e investigação dos modelos. Java é uma linguagem de programação orientada a objetos, ou seja, uma nova tecnologia de programação na qual as funções desempenhadas por alguma parte do programa são "encapsuladas " (isoladas em unidades auto-contidas) na forma de entidades denominadas objetos. A vantagem dos objetos é que eles podem se comunicar entre si e são reutilizados, ou seja, um mesmo objeto pode ser utilizado em vários programas.

Simulação estática de um modelo matemático usando Java

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A linguagem Java enfatiza idéias de simplicidade, flexibilidade, dinamismo e segurança. Um applet Java é um programa compilado na linguagem Java, que pode ser embutido em um documento HTML, descarregado automaticamente ao se acessar esta página, e ser executado no computador cliente. Um dos seus usos mais comuns é o de proporcionar conteúdo interativo na Web, colocar gráficos animados, etc. Programas de Java pode fazer perguntas a uma base de dados e codificar um fluxo de dados para transmissão segura (encriptação). Modelos de simulação implementados na forma de applets em Java podem ser colocados em um site da WWW, e qualquer usuário que tenha acesso ao mesmo usando um programa visualizador ("browser") pode executar o modelo.

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Projetos Atuais

Atualmente desenvolvemos no Núcleo de Informática Biomédica da UNICAMP uma nova linha de pesquisa, cujo objetivo é desenvolver um "Laboratório Virtual de Neurofisiologia", utilizando técnicas baseadas em JAVA e na WWW. O Laboratório será parte integrande de um "Curso Virtual de Neurobiologia" que começamos a preparar recentemente para liberação e interação via World Wide Web. Para tanto, pretendemos desenvolver um conjunto de simulações específicas computadorizadas na área de neurofisiologia.

Para Saber Mais

Dwyer, T.M; Fleming. J.; Randall, J. E. and Coleman, T. G.- Teaching physiology and the World Wide Web: Electrochemistry and electrophysiology on the Internet. Advances in Physiology Education 18: (1) S2-S13, 1997).

Healy, K. J. - Simulation modeling methodology and the WWW, 1996

Hines, M. e Moore, J. W. A NEURON simulation program. Dept. Neurobiology, Duke University.

Richardson, D. - Student perceptions and learning outcomes of computer-assisted versus traditional instruction in physiology Advances in Physiology Education 18: (1), Dec 1997.

Sabbatini, R.M.E. e Cardoso, S.H.C. - WWW-Based Laboratory Simulation in Medicine and Biology Using Distributed Execution. 1998.

Endereços

The Eye Simulation Program. http://cim.ucdavis.edu/eyes/eyesim.htm

The Java Cochlear Auditory Model. http://www.ee.memphis.edu/~lfsang/Cochlear.html

The Nernst-Goldman Java Equation Simulator.
http://human.physiol.arizona.edu/SCHED/CV/Wright/info.htm

The Nerve Action Potential Laboratory. http://phys-main.umsmed. edu/ studlabs/VSMLABS/VSMLABS. HTM

Web Simulation Survey. http://ms.ie.org/websim/survey/text.html

A Autora

A autora é psicobióloga, com doutorado pela USP e pós-doutorado pela Universidade da Califórnia em Los Angeles, e pesquisadora associada do Núcleo de Informática Biomédica da Universidade Estadual de Campinas. É também Editora Chefe da Revista Cérebro & Mente, e Editora Associada das revistas Informática Médica e Intermedic.

Email: cardoso@nib.unicamp.br
WWW: http://nib.unicamp.br/~cardoso

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NIB/UNICAMP


© 1998 Renato M.E. Sabbatini
Núcleo de Informática Biomédica
Universidade Estadual de Campinas
Campinas, Brasil

Apoio:
Laboratórios Biosintética