O vertiginoso desenvolvimento tecnológico da eletrônica, acoplado ao crescimento no conhecimento científico sobre as causas orgânicas das doenças humanas neste final de século, possibilitou um grande desenvolvimento de novos equipamentos e técnicas diagnósticas e terapêuticas na Medicina. Tudo começou na década dos 20, quando surgiu o primeiro eletrocardiógrafo, e em seguida, na década dos 30, o eletroencefalógrafo. Ambos revolucionaram a cardiologia e a neurologia, respectivamente, e introduziram um novo conceito na esfera médica: o sinal biológico.
Embora a Medicina use o termo sinal para indicar qualquer indicador objetivo de alterações patológicas de natureza fisiológica ou morfológica (por exemplo, um aumento na força de um reflexo, uma coloração típica de uma lesão dérmica, uma variação na temperatura corporal, etc.), o termo sinal biológico usado no contexto do presente artigo (e como é entendido hoje), se refere mais especificamente às variações temporais que ocorrem em alguma forma de energia no corpo humano, como resultado de seu funcionamento. Deste modo, o ECG caracteriza a evolução temporal dos potenciais de ativação elétrica do tecido muscular cardíaco, o EEG caracteriza a evolução temporal da somatória dos potenciais de membrana dos neurônios encefálicos, etc. Em engenharia, é entendido como sinal qualquer evento que carregue informação, e é nessa direção que os sinais biológicos passaram a ser definidos.
O organismo "emite" sinais das mais variadas naturezas; somente alguns dos quais tem valor diagnóstico, por refletirem de forma inconspícua diversas alterações patológicas do órgão ou sistema em que ocorrem. Alguns variam no tempo de forma lenta (por exemplo, a temperatura interna), outras de forma muito rápida (por exemplo, a vibração das cordas vocais). Além disso, a energia física envolvida em um sinal biológico pode ser de natureza elétrica (como o ECG e o EEG) ou não elétrica (térmica, mecânica, fótica, etc.).
A descoberta do triodo, uma válvula amplificadora de voltagens por Forrester, permitiu o desenvolvimento dos primeiros sistemas de registro fisiológico de alta precisão, como o eletrocardiógrafo. O elemento básico de um sistema de registro convencional (chamado de analógico) é o canal de registro, que incorpora quatro constituintes (Fig. 1):
Os sistemas analógicos, são assim chamados pois representam e registram a informação sobre um sinal biológico na forma de quantidades análogas de energia elétrica (por exemplo, o valor de um parâmetro mecânico, como a pressão sangüínea, é convertido para um valor fielmente proporcional de voltagem ou corrente elétrica.
A invenção do canal de registro analógico inteiramente eletrônico revolucionou o estudo de sinais fisiológicos. Um aparelho capaz de registrar simultaneamente vários sinais fisiológicos é chamado de polígrafo, como por exemplo os monitores de sinais usado em cirurgias e na UTI. Todo sinal biológico que não é de natureza elétrica pode ser convertido através de um transdutor adequado. O transdutor mais usado para o registro da pressão arterial, por exemplo, é baseado em um elemento sensor em forma de diafragma, que gera uma corrente elétrica proporcional à deformação do mesmo. Assim quanto maior a pressão na coluna de água em série com a artéria, maior a deformação, e, conseqüentemente, maior o sinal gerado. Esse sistema recebe o nome, em inglês, de "strain-gauge", ou medidor de tensão.
Com a invenção dos computadores eletrônicos, a partir da década dos 40, surgiu a possibilidade de se registrar e processar sinais biológicos de uma forma inteiramente nova. O computador digital tem esse nome, pois representa a informação numérica através de dígitos inteiros, e não de valores continuamente variáveis, como o dos sistemas analógicos.
A base técnica de funcionamento de um sistema computadorizado de aquisição e processamento de sinais biológicos é o chamado canal de registro digital (Fig. 1).
No canal de registro digital, os primeiros elementos são idênticos aos do canal analógico, ou seja, são necessários, da mesma forma, o elemento de captação (ou sonda), o transdutor (ou sensor), e o amplificador analógico. A partir daí, o registrador é substituido por um computador, com seus periféricos, que será usado para converter, armazenar, exibir e/ou registrar o sinal ou sinais provenientes dos canais de entrada. Para que isso aconteça, entretanto, é necessário transformar o sinal original, que geralmente é analógico por natureza (ou seja, varia continuamente em amplitude e no tempo), em números discretos (dígitos), que é a maneira com que o computador trabalha com quantidades numéricas. Isso equivale a tomar medidas de amplitude do sinal, em intervalos regulares, e converter essas medidas em números digitais com certo grau de precisão. Esse processo é chamado de digitalização, ou amostragem do sinal no tempo (Fig. 2), e, técnicamente, é realizado por um circuito eletrônico especializado (geralmente uma placa que se acopla internamente ao microcomputador), chamado conversor analógico-digital, ou conversor A/D.
Existem diversos tipos de conversores A/D, de acordo com a técnica utilizada para realizar medidas discretas de voltagem ou corrente de um sinal. As duas técnicas mais comuns são a de aproximações sucessivas e a das comparações sucessivas, ou gerador de rampa. A mais usada é esta última, e funciona da seguinte maneira (Fig. 3):
O processo de conversão A/D introduz dois fatores na acurácia e precisão do sinal digitalizado em relação ao análogo:
A velocidade máxima de amostragem do conversor A/D é limitada pelo seu próprio hardware, pelo número de canais que estão sendo gravados, e pela velocidade de transmissão à memória do computador. Quando é gravado mais de um canal simultaneamente, a taxa de amostragem máxima é dividida entre os canais ativos, pois o conversor multiplexa os sinais, isto é, dedica pequenas fatias de seu tempo para cada canal, num padrão de revezamento. Os conversores A/D para microcomputadores normalmente permitem a gravação de até 8 ou 16 canais, com uma taxa global de amostragem de 20 a 50 KHz. Existem muitos interfaces de aquisição de sinais comercialmente disponíveis para os microcomputadores mais populares. Os microcomputadores compatíveis com o IBM-PC são muito utilizados para processamento de sinais, pois é maior a variedade e disponibilidade de placas A/D e softwares especializados para essa finalidade (As placas de conversão A/D normalmente incluem o software de aplicação para a aquisição automática). Outra limitação no desempenho do estágio de aquisição é a velocidade de transmissão ao computador. Isto depende geralmente da técnica usada para colocar os valores convertidos na memória. O modo mais rápido é alcançado com o ADM (acesso direto à memória) para memórias RAM estáticas. Os computadores com relógios lentos e os modelos antigos de chips de RAM dinâmica são piores em termos de velocidade de aquisição.
Como saber qual velocidade de conversão deve ser utilizada ? Além dos fatores acimas mencionados (maior freqüência presente no sinal, e o uso do critério de Nyquist), existe um outro: qual é a periodicidade com que queremos registrar o sinal em função do tempo. A esse respeito, podemos considerar que existem dois tipos de sinais:
Tomando o exemplo da pressão sanguínea: a pressão sistólica e diastólica instantâneas, ou sua média, são sinais estáticos. A mensuração da pressão sanguínea de forma contínua (registro da pressão), ou uma medida estática freqüentemente repetida (por exemplo, de uma em uma hora), são sinais dinâmicos. Os computadores podem processar ambos os tipos de sinais. Evidentemente, quando se deseja apenas realizar uma medida estática (como é o seu caso), a velocidade máxima de amostragem no tempo é imaterial, e a precisão temporal do registro não será afetada pelo desempenho do conversor. Você precisará se preocupar somente com a precisão de amplitude, que, no caso da pressão arterial, também não é crítica (poderá ser usado um conversor de apenas 8 bits).
Finalmente, devemos mencionar que os sinais biológicos podem ser adquiridos pelo microcomputador de duas maneiras diferentes:
O processamento e a análise podem ser on-line ou off-line, também. Portanto podemos ter as capacidades adicionais de uma aquisição e análise on-line (necessitam de computadores muito rápidos), e de uma aquisição on-line e análise off-line (pode ser manejada pela maioria dos microcomputadores). No seu caso, evidentemente tanto o processamento quanto a análise do sinal estão sendo feitos on-line, devido aos baixos requisitos de velocidade.
O processamento digital dos sinais biológicos oferece muitas vantagens e uma maior flexibilidade em relação aos sistemas analógicos. Como, após o processo de conversão A/D, um sinal temporal passa a ser representado por um conjunto de valores numéricos discretos na memória do computador, é muito fácil e conveniente realizar diversas manipulações e transformações matemáticas sobre esse conjunto de números. Assim, diversas funções que só podem ser conseguidas por meio de circuitos eletrônicos caros e especializados em sistemas de registro analógico, são obtidas e simuladas sem dificuldades por meios puramente lógicos (por software ou programas especializados de computador). Algumas dessas funções são:
Além disso, um sinal biológico digitalizado pode ser armazenado de forma econômica, na forma de arquivos de computador; pode ser transmitido confiavelmente através de linhas telefônicas e de rádio, não importa a que distância; pode ser exibido e impresso de inúmeras formas e maneiras (como no caso do ECG de página). etc. Um registro médico computadorizado, por exemplo, pode incorporar diretamente sinais biológicos digitalizados. Assim, ao solicitar ao computador que mostre os últimos dez ECGs de um paciente, por exemplo, o sistema poderá recuperá-los a partir dos arquivos onde foram gravados e exibí-los no vídeo ou na impressora.
Usando uma placa de conversão A/D adequada (já disponível no mercado nacional, a um preço relativamente baixo), e um conjunto de softwares genéricos para processamento digital de sinais, como o LabView for Windows (veja a seção de Produtos deste número de Informédica), é possível transformar um simples microcomputador PC em um instrumento biomédico universal, reunindo vários tipos em um, como por exemplo, um ECG, um EEG, um EMG, um espirômetro/fluxômetro respiratório, capnógrafo e oxímetro, medidor não invasivo de pressão arterial, etc. Não é preciso dizer a redução de custos a que isto levará.
O processamento digital de sinais biológicos traz numerosas vantagens e novas funções aos sistemas tradicionais de registro diagnóstico, como o ECG, o EEG, etc. Por exemplo, o ECG dinâmico de 24 horas (Holter) é possível de ser realizado de forma analógica. Entretanto, as vantagens trazidas pela digitalização do sinal revolucionou inteiramente a técnica, com inovações que vão desde a forma de gravação em registradores portáteis de estado sólido (memória digital), até os programas de análise e interpretação, que aceleraram em ordem de magnitude o tempo gasto para elaborar um laudo. Em conseqüência, hoje seria impossível pensar-se em um Holter analógico. No entanto, seu grande impacto vem se fazendo sentir não na revitalização destas técnicas convencionais (as quais, em sua esmagadora maioria, continuam a ser realizadas com sistemas analógicos), mas sim no desenvolvimento de novas técnicas que seriam impossíveis sem a incorporação do computador. É o caso da topografia cerebral de EEG, que obtém mapas coloridos de distribuição dos potenciais na cabeça, permitindo diagnósticos mais rápidos e precisos; e até a diferenciação de entidades clínicas conhecidas.
Não há dúvida que o futuro da instrumentação biomédica para o processamento de sinais é inteiramente digital. A maioria dos novos equipamentos sendo lançados são digitais, e essa tendência é de franco crescimento, à medida em que seu preço cai, e os recursos se tornam mais abundantes e sofisticados. Novos equipamentos ultrassensíveis, como o eletromagnetocardiógrafo, permitirão o casamento entre as técnicas de imagem funcional (PET, MRI, etc.) e de registro de sinais, obtendo mapeamentos anatomicamente precisos. Podemos prever, também, que a informatização dos consultórios e hospitais fará cada vez mais utilização de equipamentos que serão capazes de fornecer diretamente o sinal em forma digital para armazenamento nos sistemas de informação sobre o paciente, sem necessidade de registro em papel, e facilitando grandemente o acesso e análise dessas informações. Outra tendência importante, também, é representada pelo advento da telemedicina (veja artigo na revista Informédica, no.6), que implementa a transmissão de sinais em redes de computadores, para finalidades diagnósticas.