No artigo anterior desta série (Informédica nº 3), i-niciamos uma discussão sobre a importância da informatização do registro clínico, e como torná-lo adequado para a manipulação direta por parte do médico e outros profissionais de saúde, em um contexto hospitalar.
A tese de que o profissional da saúde deve ser o usuário direto dos sistemas de registro clínico vem ganhando cada vez mais adeptos, uma vez que já existe uma conscientização de que:
Neste artigo, discutiremos os diferentes aspectos de padronização que são necessários para a implemen-tação de um sistema hospitalar informatizado global, envolvendo não só a instituição, como também as necessidades de troca de informação com organismos públicos em nível nacional e internacional.
Isto leva ao mesmo problema que o primeiro mundo está enfrentando na atualidade, ou seja, a necessidade de estabelecer padrões para a intercomunica-ção entre os diferentes softwares e equipamentos computadorizados já existentes. Esta padronização envolve três diferentes níveis:
Atualmente, o maior esforço de desenvolvimento de padrões de intercâmbio de informações é o chamado Health Level Seven (HL7), cujo nome se refere ao nível 7 do padrão ISO/OSI para redes de computadores, ou seja, o nível de aplicação, definido pelo usuário, deste conhecido padrão internacional de intercomunicação. Desenvolvido por um grupo de hospitais, consultores e vendedores de sistemas, ele tem por objetivo definir padrões para a solicitação de exames, geração dos resultados, censo hospitalar e faturamento. Este trabalho tem sido desenvolvido em estreita colaboração com a American Society for Testing Materials (ASTM), particularmente relacionado com o padrão E1238-88, desenvolvido pelo grupo ASTM E31.11, o qual, em sua última revisão, prevê acomodar todos os dados clínicos (incluindo história e exame físico de admissão). Abrangem, inclusive, padrões para a produção de laudos de diversos procedimentos diagnósticos (ECG, EEG, Ultra-som, etc.). Estes dois padrões utilizam regras semelhantes para a codificação, tipos de dados e ordem interna das informações para produção de laudos. As informações são arranjadas segundo uma estrutura hierárquica, com os seguintes níveis:
Outro padrão com objetivos semelhantes ao HL7 é o MEDIX P1157, desenvolvido pelo Institute of Eletrical and Electronic Engineers (IEEE), o qual pretende ser totalmente compatível com as especificações de redes do padrão ISO. Estes dois padrões prometem convergir em termos da estrutura das mensagens utilizadas.
Com respeito ao arquivamento e transmissão de imagens médicas, um padrão já bastante difundido é o ACR-NEMA, desenvolvido pelo American College of Radiology (ACR) em colaboração com a National Electrical Manufacturers Association (NEMA), e que vem sendo adotado por diversos fabricantes e usuários de sistemas de PACS (Picture Archiving and Communication Systems) hospitalares.
Já na área de instrumentação biomédica, um dos principais padrões propostos é o "Medical Information Bus" (MIB), desenvolvido há vários anos pelo IEEE, com o objetivo de padronizar a comunicação entre os instrumentos utilizados em UTIs. Ele permite a interconexão de até 255 equipamentos com o computador central, através de um controlador central de comunicações (MCC), o qual se responsabiliza por solicitar as informações de cada um dos instrumentos. Prevê, ainda, um controlador de comunicação do dispositivo (DCC), para cada um dos instrumentos, o qual possuiria também memória para armazenamento dos dados, evitando assim a perda de informações caso fosse interrompida a comunicação com a rede. Tal dispositivo ainda serviria para "adaptar" a saída de cada equipamento ao padrão, podendo, inclusive, ser programado quanto ao tipo e freqüência de envio das informações, etc...
Como se vê, ainda há muito o que fazer nesta área. Considerando especificamente a situação brasileira, certamente não seria recomendável desenvolver padrões nacionais, pois, em primeiro lugar, para que algo seja um padrão é interessante que ele seja o único. Em segundo lugar, a maioria dos instrumentos utilizados em laboratórios, UTIs e serviços radiológicos são importados e, mais cedo ou mais tarde, seguirão estes padrões. O que deve ser feito é verificar as peculiaridades nacionais, de modo a propor a complementação necessária, sempre com o devido mapeamento, sobre o padrão genérico. Neste mesmo sentido, seria necessário produzir uma camada que efetue a tradução para o português.
O surgimento dos padrões gráficos de interface de usuário (GUIs) como os padrões Macintosh, Windows, etc,, trouxeram algum progresso neste sentido, mas ainda há muito a ser feito para se chegar a um consenso ou a uma situação ideal. Deve-se, ainda, levar em conta que este tipo de especificação seria de caráter extremamente dinâmico, devido às características de rápida evolução dos computadores (por exemplo, dentro de poucos anos será impossível aceitar um padrão que não considere a voz como meio de intercomunicação homem-máquina, o que, até o presente momento, é de difícil utilização). Ne-nhum sistema pode ser considerado como sendo realmente integrado, se não houver algum tipo de padronização quanto a maneira de interação dos profissionais de saúde. É importante que todas as aplicações tenham o mesmo aspecto e formas de realização de operações. A terminologia empregada nos menus de opções deve seguir o mesmo padrão e, ainda, ser condizente com a prática médica.
As primeiras iniciativas neste sentido já são bastante antigas e correspondem aos métodos de classificação e codificação de informações médicas, tais como a Classificação Internacional de Doenças (CID), Stan-dard Nomenclature of Medicine (SNOMED), etc... Vários são os trabalhos neste campo, tendo sido inclusive criado um grupo especial na International Medical Informatics Association (IMIA) para tratar do assunto.
Uma das grandes iniciativas atuais, em termos de modernização dos métodos de acesso às informações médicas é o projeto gerenciado pela National Library of Medicine dos Estados Unidos, denominado de Unified Medical Language System (UMLS). Este projeto tem por objetivo dar condições aos profissionais de saúde de acessar de maneira fácil o já grande número de informações médicas contidas em meio eletrônico. Isto inclui informações de literatura, bancos de dados, registros clínicos, sistemas baseados em conhecimento, etc... O grande problema neste campo é a enorme variedade com que os conceitos médicos são expressos nos diferentes esquemas de classificação e codificação. O UMLS realiza um mapeamento cruzado entre os conceitos e termos, constantes nos principais sistemas de classificação incluindo o National Library of Medicine's Medical Subject Headings (MeSH), American Psychiatric Association's Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 3rd Ed. (DSM-IIIR), International Classification of Diseases, 9th Ed, Clinical Modification (ICD-9-CM), College of American Pathologists' Systematized Nomenclature of Medicine (SNOMED II). São mais de 130.000 conceitos, englobando mais de 270.000 termos (incluindo sinônimos, abreviaturas, etc...). O sistema é composto por um "meta-dicionário", usado para representar conceitos e termos; uma "rede semântica", que classifica e interrelaciona os conceitos referentes a mais de 130 tipos com significado médico; e um banco sobre as "fontes de conhecimento", ou seja, qual a melhor fonte de informação para recuperar o assunto desejado. O UMLS tem sido distribuído internacionalmente para inúmeras instituições com interesse no assunto, com o objetivo de testar e aperfeiçoa-lo .
Quando se pretende manipular registros clínicos, mesmo que para fins exclusivamente de pesquisa científica, são vários os problemas encontrados quanto à sua codificação. Em primeiro lugar, qualquer que seja a codificação, ela só é totalmente útil se for empregada para a finalidade com que foi criada. Encontram-se vários problemas de ambigüidade ou mesmo falta de definição quando se deseja utilizar uma determinada classificação com fins diversos ao que ela se destina originalmente. Em segundo lugar, a subjetividade e a falta de regras claras sobre como realizar uma classificação, a falta de treinamento específico, etc., levam a uma alta taxa de erros de codificação. Uma forma de diminuir a subjetividade é trabalhar apenas com certos dados clínicos básicos, o que é conhecido como o conjunto mínimo de dados (minimum data set). Este precisa ser estabelecido levando em conta as necessidades do médico, do paciente e da instituição. Tal definição só pode ser atingida após uma extensa fase de planejamento. Vários esforços têm sido realizados neste sentido. sendo o principal exemplo de padronização os esforços realizados pela enfermagem norte-americana.
Os problemas de codificação aumentam mais ainda se o registro clínico computadorizado é voltado para o atendimento do paciente. Há a necessidade imediata, por exemplo, de vocabulários adicionais referentes a sintomas, sinais, resultados de exames, descrição de procedimentos, etc, os quais, infelizmente, não se encontram implementados de forma coerente e completa em nenhum dos padrões conhecido de nomenclatura9. Está prevista uma expansão gradual do UMLS neste sentido, tendo em vista a recuperação de informações bibliográficas para apoio à decisão médica. Assim, um determinado problema constante na história clinica de um paciente poderia servir como base para a recuperação de todos os outros casos semelhantes, com respectivas evoluções..
Novamente é preciso ter em mente que não se deve perder tempo reinventando a roda. Há muito trabalho a ser feito, não só de tradução dos padrões já existentes, como a adaptação à realidade nacional. Seguindo o mesmo espírito do UMLS, teremos que realizar o mapeamento cruzado entre os sistemas classi-ficatórios governamentais e classistas (SUS, AMB, etc.) para fins de cobrança de serviços médicos; e o eventual sistema de nomenclatura a ser adotado em nível nacional.
As exigências para a criação de um registro clínico computadorizado de real utilização por parte dos médicos não se encerram aqui. No próximo artigo desta série serão comentadas algumas das características e funções necessárias para que ele possa realmente ser aceito pelo médico como instrumento de trabalho em seu dia-a-dia.