Aplicações da Multimídia na Medicina

Paulo Marcondes Carvalho Jr. e Renato M.E. Sabbatini

Núcleo de Informática Biomédica da Universidade Estadual de Campinas
WWW: http://home.nib.unicamp.br/~sabbatin Email:renato@sabbatini.com e :paulonib@turing.unicamp.br

Revista Informédica, 1(6): 15-19, 1994.


Multimídia é a integração de vários meios de informação (ou mídias, provindo do plural do inglês medium) no computador, tais como sons, imagens e texto. Corresponde à informatização do que em arte e pedagogia se conhece como multimeios, com a vantagem da interatividade, ou seja, da possibilidade do usuário comandar o acesso à informação nela contida, de múltiplas formas, como em um diálogo.

Se utilizarmos um software que permita ter acesso às informações de multimeios de forma interativa e não-linear (ou seja, através de recursos especiais, como menús, ícones e "botões", que permitem ao usuário "navegar" livremente pelas diferentes telas) temos a hipermídia. É uma revolução, ainda nos seus primeiros passos, mas assim mesmo uma revolução.

Nos últimos dois a três anos, a multimídia se transformou em um impressionante fenômeno de massa, quase tão abrangente e influente quanto a própria invenção dos microcomputadores pessoais, na década dos 70. Isso se deu basicamente devido a quatro fatores: 1) o aumento da velocidade, capacidade de memória e recursos gráficos dos microcomputadores, o que permitiu a implementação eficiente da multimídia; 2) a popularização dos CD-ROMs (Compact Disk Read-Only Memory); 3) o surgimento de uma forte indústria de publicação de multimídias interativas em CD-ROM, incentivada originalmente pela sempre pioneira Microsoft; e 4) a grande penetração dos sistemas operacionais multitarefas voltados a janelas, tais como o Windows 3.1, muito mais fáceis de serem usados, e com uma interface de usuário bastante uniforme, já voltada para as telas gráficas de alta qualidade. Tudo isso, evidentemente, associado a uma dramática queda de preços, o que torna hoje uma estação de multimídia tão acessível ao cidadão comum quanto um PC-XT de alguns anos atrás...

O que se vê, hoje, é a venda indiscriminada de poderosissimos recursos de multimídia a baixo custo: enciclopédias interativas (como a fabulosa Encarta, da Microsoft, que possue 35.000 verbetes ilustrados com fotos, diagramas, filmes de vídeo, animações gráficas, etc., e que corresponde a 38 volumes de texto e ilustrações), bibliotecas inteiras de livros, atlas geográficos, etc. Tudo isso a um preço até dez vezes menor do que a versão em papel.

A Medicina é um campo ideal para a aplicação da multimídia, seja no ensino médico, seja na edição de obras especializadas e na produção de sistemas de apoio à decisão médica (diagnóstico, terapia, etc.). Da mesma forma como nas outras áreas, está havendo uma verdadeira explosão de publicações em CD-ROM voltadas à Medicina e Saúde, com uma grande tendência de evoluírem cada vez mais. Neste artigo examinamos as possibilidades fascinantes dessa nova tecnologia.


Como montar uma estação de multimídia

Como acontece com toda aplicação especializada, para fazer multimídia em um microcomputador pessoal, é necessário dispor de recursos específicos de software (programas) e hardware (equipamentos, principalmente periféricos especiais).

Para um microcomputador padrão ser considerado preparado para utilizar a multimídia, temos que acrescentar uma série de acessórios. As principais linhas de PCs atualmente, (IBM-PC, Macintosh e Amiga) já dispõe de excelentes produtos comerciais para a implementação de estações de multimídia de bom desempenho. No Brasil, o mais utilizado é o IBM-PC. Infelizmente esta linha é, ainda, a que vem menos equipada, de origem, com recursos para multimídia, ao contrário das duas outras linhas. Entretanto, cada vez mais é possível encontrar no mercado estações de multimídia totalmente montadas, tais como Acer, Itautec. etc.

Para quem tem um PC não equipado, entretanto, os seguintes acessórios são recomendados:

Recursos de Áudio: inicialmente é preciso colocar uma placa para processamento de áudio, pois os recursos originais do IBM-PC são muito rudimentares para aplicações mais sofisticadas, tais como música polifônica, vozes e efeitos sonoros. Esta placa pode ser simples, trabalhando com o som digitalizado em 8 bits, ou mais sofisticada, trabalhando em 16 bits (o número de bits corresponde ao grau de definição da variação sonora possível). As placas AdLib e SoundBlaster são as mais utilizadas do mercado, sendo que em seus últimos modelos podem ser usadas também para digitalizar e reconhecer comandos de voz do usuário. Ligados à placa, é preciso instalar alto-falantes, geralmente embutidos em duas pequenas caixas de som, blindadas magneticamente (para não afetar o vídeo), e dotadas de amplificadores de potência.

Recursos de Vídeo: Os produtos de multimidia em geral são bastante sofisticados com relação à exibição de imagens e gráficos. O ideal é dispor de uma placa de controle de vídeo do tipo Super VGA, que pode representar até 256 cores com boa resolução, dotada de uma memória suficiente para exibição de imagens coloridas grandes e seqüências de vídeo (geralmente 1 megabyte). Se quisermos, ainda, capturar imagens provenientes de TV, videocassete ou câmara de vídeo (estáticas ou cine), existem muitas opções diferentes. A mais simples é uma placa de conversão analógica-digital (VideoBlaster, por exemplo), que permite conectar o PC a um videocassete ou TV e dele receber as imagens, convertendo-as para fins de armazenamento e exibição no computador. Placas de vídeo mais complexas e caras permitem ao PC, como a Targa Plus, além de receber, gerar sinais para a TV ou videocassete, realizar compressão e descompressão dos dados automaticamente, etc. As mais sofisticadas permitem várias entradas e saidas simultâneas e ainda funcionam como ilha de edição de imagens com efeitos visuais. Para algumas aplicações de multimídia utilizando imagens estáticas, um scanner (digitalizador) manual ou de página também funciona bem. Existem equipamentos manuais de custo relativamente baixo, capazes de digitalizar a 256 cores.

CD-ROM: Outro equipamento importante é o leitor de CD-ROM, que é um disco laser, semelhante ao do equipamento de som, mas que serve para armazenar dados digitais. Como o nome diz, os CD-ROMs já vem gravados, e não podem ser alterados pelo usuário. Cada CD-ROM armazena cerca de 600 megabytes de informação, e já existem muitas empresas que oferecem produtos gravados nesse formato, inclusive em Medicina. Para aplicaçães mais sofisticadas, entretanto, é possível utilizar discos magneto-ópticos, que gravam entre 125 ou 500 megabytes e são regraváveis, da mesma forma que os disquetes comuns. Atualmente existem diversos kits multimídia disponíveis no mercado, que oferecem uma placa integrada de som e de controle do leitor de CD-ROM, o leitor, alto-falantes e microfone, por um preço bastante razoável, e que pode ser integrado facilmente a um microcomputador já existente.

Videodisco: Este é um outro periférico bastante especializado, e pouco comum no Brasil, mas que encontrou enorme penetração no mercado de aplicações didáticas da multimídia nos EUA. Existem numerosas publicações de multimídia em Medicina, implementadas nessa tecnologia. Consta de um disco laser semelhante ao CD-ROM, mas de maiores dimensões (tamanho de um LP), e um equipamento leitor que hoje custa em torno dos US$ 400 nos EUA. Ao contrário do CD-ROM, pode ser utilizado isoladamente, ou em conjunto com um microcomputador.

O microcomputador PC para usar todo este equipamento necessita ter diversas características de bom desempenho e capacidade, tais como: uma boa velocidade de processamento (tipo 386, 486 ou Pentium); boa capacidade de memória RAM (no mínimo 4 megabytes), e um disco rígido com um tamanho mínimo de 300 megabytes. O tipo de equipamento a ser adquirido depende do tipo de aplicação que se deseja realizar, seja ela a produção de programas de multimídia ou apenas o seu uso. Se você deseja produzir programas, por exemplo, são necessários um disco rígido de no mínimo 500 Mb e um leitor de disco magneto-óptico.

É através da multimídia que o computador se tornará mais amigável, e será, num futuro próximo uma mistura de televisão, videocassete, gravador, fax, telefone e secretária eletrônica. Já foi lançado nos EUA um equipamento portátil, chamado Newton (fabricado pela Apple), que é um processador de informações pessoais (ou PDA, em inglês) que praticamente é o primeiro filhote da união descrita acima.


As ferramentas de multimídia

Os programas para produção de multimídia podem ser classificados em três grandes grupos: os de página (tipo Toolbook ou Hypercard), os de banco de dados multimídia e os de autoria (tipo Authorware). Os primeiros são os mais comuns hoje em dia, principalmente o Hypercard, para os micros da linha MacIntosh. Neles, é possível montar páginas, ou telas, e nelas colocar diversos "objetos" (texto, imagens ou sons). Interliga-se as telas através de menús e botões, e o programa de multimídia está pronto. No segundo tipo simplesmente existe um gerenciador de banco de dados (como o dBase), o qual permite incorporar sons, imagens ou texto como seus campos. O último tipo de programa serve para criar estruturas de programas da mesma forma que um arquiteto cria a planta de um prédio.

A melhor maneira de se trabalhar com hipermídia é utilizando os conceitos da programação orientada a objetos. Um objetos é uma entidade de programa, que realiza uma determinada tarefa, que podem ser de diversos tipos, ou classes. Na multimídia teríamos, por exemplo, três classes de objetos: os textos, as imagens, os sinais (inclusive o som); e as ligações entre os objetos (links, em inglês). Cada classe de objeto tem um conjunto de características próprias, tais como duração, autor, fonte, etc. Esta metodologia nos ajuda a documentar melhor nosso trabalho e permite que várias pessoas diferentes compartilhem as informações de maneira semelhante, pois a hipermídia necessita que profissionais de diferentes áreas, como desenhistas, analistas de sistema, programadores, videomakers, músicos, etc., trabalhem em equipe.

Atualmente a multimídia pode ser encontrada em vários tipos de programas diferentes, nas seguintes áreas: entretenimento, formação de recursos humanos, cadastramanento de informações, balcões eletrônicos de informação e muitas outras. O setor que mais aproveita a multimídia hoje é a área de entretenimento, tanto que nos EUA existe o que se chama Edutainment ou junção de educação e entretenimento. A pessoa utiliza o computador de uma forma lúdica e se educa ao mesmo tempo. Podemos nos utilizar dela para o ensino de crianças, no treinamento de recursos humanos ou quem sabe na educação de deficientes. Uma outra área que será muito beneficiada pela multimídia certamente é a da formação de recursos humanos. O ensino e a aprendizagem se beneficiam muito com a hipermídia, pois podemos simular o mundo de uma maneira mais fidedigna e a interatividade permite uma individualização do processo só conseguida antes nos moldes dos mestres-discípulos de antigamente. De acordo com as respostas dos alunos o computador exibe o pedaço de informação que o interessa e pode enriquecer a informação textual com sons e imagens em movimento. Imagine, por exemplo, um programa de ensino de línguas que mostra na tela o texto da frase, que pronuncia a frase para o aluno, e ainda permite que se veja um trecho de filme com a frase sendo utilizada numa situação real.


As aplicações em Medicina

Para a área de saúde, a multimídia significa a certeza de se poder armazenar todos os tipos de informação encontradas na área. Percebemos que a multimídia é uma solução tecnológica à procura de problemas a serem resolvidos. Os computadores que só trabalhavam com texto, há pouco tempo, ganharam a possibilidade de manipular imagens estáticas (fotos ou desenhos) e agora podem trabalhar, ainda que de forma relativamente limitada, com imagens em movimento e sons. Ainda é caro equipar um PC com acessórios de multimídia, e quanto melhor a qualidade destes, maior o preço.

Numerosos trabalhos têm demonstrado o poder da multimídia em aplicações médicas, tais como no armazenamento da ficha clínica do paciente, na formação de recursos humanos e também na formação e atualização de especialistas médicos. Alguns produtos comerciais também já estão disponíveis a um preço bastante acessível. Por exemplo, para a área de educação médica, existe o video-disco chamado "Slices of Life" (fatias da vida), produzido pela Dra. Suzanne Stensaas e colaboradores, da Universidade de Cornell, que contém mais de 20.000 imagens estáticas e dinâmicas em praticamente todas as áreas da Medicina (fotos, desenhos anatômicos, diagramas, lâminas histológicas, espécimes patológicos, imagens radiográficas, tomográficas e ultrassonográficas, procedimentos cirúrgicos, etc.). Tudo isso por apenas US$ 300. Com base nesse acervo, diversas instituições têm montado programas de multimídia em áreas especializadas, como o HyperBrain (em neuroanatomia, neuroradiologia, neurologia clínica e neurocirurgia), o HyperHeart (em cardiologia clínica), e muitos outros em oftalmologia, doenças do aparelho locomotor, etc. Outra aplicação interessante da multimídia ocorre na simulação de casos clínicos, nos quais o estudante pode solicitar exames especializados para um paciente para o qual está determinando um diagnóstico e uma conduta. Assim, ao solicitar um ECG, uma ausculta pulmonar ou cardíaca, um ecocardiograma, uma tomografia, etc., os exames solicitados são exibidos na tela com grande realismo e definição. Diversas editoras de grande porte, com tradiç`176o na área médica, nos EUA, têm começado a editar títulos de multimídia em videodisco e CD-ROM. De modo a concentrar os recursos de multimídia disponíveis em um só lugar, e fomentar o uso e a distribuição mais ampla dos mesmos, as faculdades de ciências de saúde naquele país constituiram um consórcio sem fins lucrativos (Health Sciences Consortium), que mantém grandes catálogos de software educacional, videodiscos e CD-ROMs para aplicações na educação nesta área.

Na área de educação de pacientes existem também numerosas publicações em CD-ROM, como o A.D.A.M., e a Family Health Encyclopaedia da Mayo Clinic, que contém um repositório espantoso de informações médicas para o leigo. Por exemplo, se o paciente quiser saber o que é um ecocardiograma, porque vai realizar esse exame, ao consultar a enciclopédia aparece um texto explicativo, um filme mostrando como o exame é realizado, e as imagens dinâmicas e som correspondentes ao seu resultado ! Utilizando ligações do tipo "veja" e "veja também", ele pode consultar textos e desenhos relativos à anatomia do coração, insuficiência mitral, medicamentos mais utilizados e suas contraindicações e perigos, etc. Até mesmo o diagnóstico diferencial é possível, como ocorre com um tratado sobre doenças da pele, com dezenas de fotos de pacientes com as mais variadas afecções.

Para aplicações na área de apoio à atenção médica, já existem diversos sistemas computadorizados de registro médico utilizando a tecnologia de hipermídia. Gradativamente, está sendo possível também a integração dos equipamentos médico-hospitalares aos computadores, para que se possa, de uma maneira simples, adquirir diretamente as informações por eles geradas (plug-and-play). Por exemplo, um equipamento de raio-x simples, através de uma conexão com o computador, é capaz de transferir para o mesmo, e armazenar neste uma imagem padrão TIFF, PCX ou BMP, que pode ser visualizada, manipulada ou impressa através de qualquer programa gráfico, inclusive no Windows. O mesmo raio-x pode, em seguida, ser acrescentado à ficha clínica multimidia do paciente, assim como seu ecocardiograma em animação. Tudo isso pode ser então enviado ao médico solicitante através de disquetes, modem ou Internet (rede de computadores).

Em um outro cenário possível, o médico a caminho do hospital para atender uma emergência, poderá consultar em seu computador portátil, ligado a um CD-ROM ou ao telefone celular, informações visuais sobre casos semelhantes àquele, constantes de uma enciclopédia médica, como a fabulosa CONSULT, editada pela Scientific American Medicine, ou a Oxford Medical Encyclopaedia, ambas disponíveis em CD-ROM.

Em conclusão, certamente, num futuro bem próximo, todas as especialidades médicas se beneficiarão muito com a hipermídia e muito mais com sua prima rica, a realidade virtual (veja artigo sobre este tema no número 3 da Informédica)


Para Saber Mais


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