Aplicações da Multimídia no Ensino Médico

Roberta Mazzariol Volpe e Renato M.E. Sabbatini

Núcleo de Informática Biomédica da Universidade Estadual de Campinas
WWW: http://home.nib.unicamp.br/~sabbatin Email:renato@sabbatini.com e roberta@turing.unicamp.br

Revista Informédica, 2 (9): 5-12, 1994.


Indiscutivelmente, a Informática tem se tornado indispensável para a maioria dos profissionais da área de saúde. A grande quantidade de informação com que eles têm que lidar cotidianamente parece ter sido feita sob encomenda para a utilização pelo computador, seja nos consultórios, nas clínicas, no laboratórios de análises e hospitais, ou ainda, na pesquisa ou no ensino médico.

Graças a popularização dos microcomputadores, eles não são mais objetos absolutamente estranhos para o médico, como anteriormente, sendo que não é mais necessário que o usuário aprenda a programar para que ele possa utilizar o computador em inúmeras funções. Há programas disponíveis no mercado para muitas atividades, e se o programa que o usuário quiser ainda não existir, provavelmente, haverá um profissional apto a desenvolvê-lo.

O desenvolvimento de programas específicos para a área médica se torna mais fácil graças ao surgimento de profissionais híbridos: os informatas médicos ou médicos informatas, que associam conhecimentos de informática a conhecimentos específicos da área de saúde.

Uma tendência recente na área de informática tem sido a de associar vários meios para a apresentação de informações em um único programa, tais como sons, imagens, animações, gráficos e textos. Esta nova tecnologia recebeu o nome de multimídia ou hipermídia (ver artigo básico sobre este tema, em Informédica no. 6), e , desde o seu surgimento, tem sido utilizada de forma crescente em aplicações médicas, particularmente no ensino assistido por computador. A união de vários meios, permitindo uma "navegação" multidimensional dentro do programa, torna-a uma ferramenta bastante atraente para ser utilizada em diversas áreas.

Seu desenvolvimento só foi possível graças a evolução dos microprocessadores, ao aumento da capacidade dos discos rígidos, aos monitores coloridos de alta definição e ao desenvolvimento de placas de som de maior fidelidade.

Particularmente importante foi o desenvolvimento e barateamento dos discos digitais óticos, como o CD-ROM e o videodisco, que permitem armazenar grandes quantidades de informação em formato multimídia. Cada CD-ROM (Compact-Disc, Read-Only Memory) armazena cerca de 600 milhões de caracteres de informação (megabytes), o que corresponde a cerca de 200 livros com 300 páginas cada. Atualmente existem diversos kits de multimídia disponíveis no mercado, que oferecem uma placa integrada de som e de controle do leitor de CD-ROM, o leitor, alto-falantes e microfone, por um preço bastante razoável, e que pode ser integrado facilmente a um microcomputador já existente. O videodisco é outro periférico de multimídia bastante especializado, e pouco comum no Brasil, mas que encontrou enorme penetração no mercado de aplicações didáticas nos EUA. Consta de um disco laser semelhante ao CD-ROM, mas de maiores dimensões (tamanho de um LP), e um equipamento leitor especial, que pode ser acoplado ao microcomputador e por ele comandado. Tem capacidade de mais de 54.000 imagens coloridas estáticas, ou duas horas de vídeo e som estéreo. Cada imagem no disco pode ser localizada pelo computador e exibida individualmente na tela de um monitor de vídeo.

A utilização da multimídia na educação pode ser considerada uma revolução, na medida que ela dá aos usuários maior capacidade para encontrar as informações que eles necessitam, muito mais facilmente e em menor tempo, e de forma mais completa; podendo ter acesso a imagens estáticas e animadas, sons e textos explicativos, referências e outras coisas, de acordo com a natureza do programa. Tudo isso é gerenciado por um software especifico para apresentar a informação ao mesmo tempo e no mesmo lugar, dependendo da aplicação.

A diferença fundamental dos processos didático-instrucionais tradicionais (texto escrito e aula expositiva) em relação aos que utilizam hipertexto e hipermídia, é que estes últimos permitem que as diferenças individuais dos alunos sejam preservadas, já que quem impõe o ritmo e ordem do aprendizado é o próprio estudante. A apresentação das informações não é feita de forma linear, pois o programa tem recursos que permitem examinar o material informativo em qualquer ordem e ter acesso a elas de acordo com a necessidade. A interatividade é a palavra-chave deste processo (Chaves, 1992).

A multimídia é um excelente complemento aos métodos tradicionais de ensino, devido a interatividade, à crítica formativa (feedback) imediata, ao acesso instantâneo à enorme quantidade de material disponível através do videodisco ou CD-ROM, à sua fácil atualização e modificação, à estrutura não linear do material didático, aos indicadores de progresso on-line, à possibilidade de repetir quantas vezes for necessário, à acumulação automática de informação, à geração de relatórios completos sobre o desempenho do aluno, etc.

Se a multimídia parece tão importante e fundamental para a educação de forma geral, isto se torna mais verdadeiro no caso do ensino médico, onde a quantidade de informações aumenta abruptamente e o estudante tem que aprender muito e rapidamente, incluindo muitos conceitos visuais. Num programa de multimídia muitas informações podem ser apresentadas em um só lugar, permitindo revisão posterior dos assuntos de maior dificuldade ou interesse. Este tipo de programa permite também uma integração entre várias disciplinas o que dificilmente é conseguido pelos métodos tradicionais de ensino.

Parece fácil de entender que a multimídia seja utilizada para ensinar jovens estudantes de medicina e outras ciências da saúde a lidar com o computador e entender como ele é imprescindível para sua profissão, em diversos níveis (McPhee et al, 1992).


Anatomia computadorizada

Numerosos trabalhos publicados nas revistas e anais de congressos especializados em Informática Médica têm mostrado os enormes recursos, a grande potencialidade e variedade de aplicações da multimídia no ensino médico, especialmente no ensino da morfologia (anatomia, histologia, citologia, etc.). Em uma das primeiras e mais importantes iniciativas nesse sentido, Stensaas e Sorenson (1988), desenvolveram na Universidade de Utah em Salt Lake City (EUA) um programa de educação médica assistida por computador usando o HyperCard (um programa de desenvolvimento de hipertextos para o microcomputador Apple Macintosh) e o videodisco "The Slice of Life", para o treinamento em neurociências.

Este programa, chamado HyperBrain, serve para educação médica em diversos níveis: graduação, residência, pós-graduação e educação médica continuada; e provou seu valor como um incremento aos métodos de educação tradicionais. O videodisco utilizado contém aproximadamente 30.000 imagens, enfatizando as áreas morfológicas como: histologia, radiologia, neuroanatomia, hematologia, citologia e patologia. Este videodisco contém a maioria das i-magens necessárias durante os primeiros quatro anos da educação médica.

O HyperBrain integra livro-texto, conferências ou preleções, dissecção macroscópicad e tecidos, videotapes, casos clínicos, perguntas, exames escritos e práticos e roteiros de laboratório. O centro do programa inclui um roteiro do texto, perguntas sobre os capítulos, exercícios interativos, atlas, um glossário e histórias de casos, abrangendo as seguintes áreas: neurohistologia, anatomia cabeça/pescoço (macroscópica), neuroembriologia, neuroanatomia, neurofarmacologia, neuropatologia, medicina interna, neurologia, neuroradiologia, neurocirurgia, oftalmologia, psiquiatria, medicina fisioterápica. O sistema foi desenvolvido para ser um ambiente educacional para vários níveis e cursos. Inclusive outros profissionais da área de saúde, como dentistas, enfermeiras, fonoaudiólogos e fisioterapeutas podem usar o material. As modificações no programa são feitas facilmente o que possibilita uma melhor adequação do programa a seus usuários. As novas versões do HyperBrain contém novos tópicos, mais casos clínicos e novas ilustrações.

Utilizando o mesmo material disponível no "Slice of Life", foram desenvolvidos diversos outros softwares hipermidia de ensino, tais como o HyperHeart, e outros. Atualmente, existe um esforço cooperativo entre dezenas de instituições, que contribuem para aumentar o acervo de imagens deste videodisco, e no desenvolvimento de aplicativos de multimídia nele baseados. Anualmente, é realizado nos EUA um congresso reunindo apenas esses colaboradores.

Na mesma linha, outro software de hipermidia médica de grande influência, só que mais genérico que o HyperBrain, foi desenvolvido na Universidade de Stanford por Freedman et Chase ( l989). O "livro eletrônico", que recebeu o sugestivo nome de Electric Cadaver, é constitído de imagens do corpo humano (macroscópicas e histológicas), textos, gráficos computadorizado, vários tipos de ilustrações dinâmicas (interagindo simulações computadorizadas animações) e sons. O software pode ser considerado como um trabalho de referência sobre a estrutura e funcionamento do corpo humano e como um protótipo de um livro dinâmico que integra vários meios. Ele é uma espécie de atlas eletrônico, onde o usuário pode observar as estruturas em zoom, pode movimentar para qualquer lugar, observar o nome de cada estrutura, ver uma imagem geral ou radiográfica e onde pode escolher uma região ou um sistema para ver e estudar em detalhe.Várias ilustrações clínicas foram desenvolvidas para demonstrar a relação entre a estrutura e sua função. Um texto impresso acompanha o software e contém uma breve descrição sobre cada tópico, além de um código de barra que permite acessar diretamente uma imagem do videodisco.

Os usuários podem fazer anotações, marcar páginas e organizar o Electric Cadaver de acordo com sua preferência pessoal. O marcador de páginas e o índice completo das imagens podem ser usados para fazer um slide show. O programa foi implementado em HyperTalk e pode ser modificado por programadores de HyperCard. O hardware necessário é um Macintosh com 20 megabytes de disco para armazenamento, um videodisco e um monitor de TV, para mostrar as i-magens fotográficas e radiográficas do videodisco


Imagens que ensinam

Como seria de se esperar, as especialidades médicas que utilizam imagens, como a radiologia, a ultrassonografia, a medicina nuclear, etc., tem muito a lucrar com o uso de softwares de multimidia voltados ao ensino. Para essa finalidade, Mezrich et al. (l989) desenvolveram uma estação de trabalho de radiologia, denominada ImageNet, que combina um microcomputador Macintosh, o software HyperCard e uma rede Ethernet. As aplicações desse sistema incluem: aquisição, demonstração e análise de imagens; inserção de imagens em relatórios e gráficos de pacientes; geração de imagens para palestras e seminários; banco de imagens com rápido acesso para revisão e consulta; arquivo de ensino simplificado, de baixo custo para armazenamento e rápida recuperação; bancos de dados de patologia e imagens de referência. As imagens são adquiridas em segundos e mostradas na mesma resolução e escala de cinzas em que é visto no sistema de imagem médica original. O banco de dados é composto por imagens combinadas com informações clínicas e demográficas que incluem detalhes sobre as imagens usadas, e permitem recuperar informações gerais para serem usadas em consultas clínicas, estudo comparativo e arquivos de ensino. As imagens pode ser formatadas para fazer uma apresentação de slides ou para serem impressas em papel para incluir em relatórios; e podem, também, ser analisadas por quantificação de detalhes de i-magens. Para armazenamento das imagens são usados discos laser graváveis tipo WORM (Write Once, Read Many), com 650 megabytes de capacidade que podem armazenar, cada um, aproximadamente, 10.000 imagens de MRI ou CT.

A existência de um recurso desse tipo é extremamente valioso para o ensino da imagenologia médica, como se pode imaginar. Outro projeto semelhante é o Image Engine (Lowe, 1993), um gerenciador de base de dados multimídia, orientada a objeto, para facilitar o armazenamento, recuperação, compartilhamento e manipulação de materiais médicos multimídia, como i-magens estáticas biomédicas, videos e texto usando um microcomputador tipo Macintosh, e que tem como ca-racterística interessante o uso de um dicionário padronizado para codificação de todo o material, baseado no vocabulário da National Library of Medicine (Medical Subject Headings - MeSH). Da mesma forma que o I-mageNet,, o Image Engine é uma solução barata para pequenos grupos e departamentos para compartilhar materiais multimídia que sirvam de suporte para educação médica, pesquisa, prática clínica e instrução de pacientes. Ele facilita, ainda, a criação de software de instrução multimídia.

A associação de imagens médicas originais e reconstruções tridimensionais também oferecem recursos extremamente valiosos para a compreensão da relação imagem-estrutura-função pelo estudante. Schwarz e Wind (1992) desenvolveram um CAI utilizando pela primeira vez representações tridimensionais em anatomia cardiotorácica, e que podem ser usados para o ensino da cateterização venosa central, da reparação cirúrgica da hérnia, bem como para o entendimento do desenvolvimento embriológico do tórax. Os programas associam reconstrução tridimensional computadorizada a textos e imagens capturadas por video (que apresentam estruturas complexas, processos de desenvolvimento e procedimentos médicos). O usuário pode ver múltiplas imagens de uma só vez, em várias janelas. Os programas são compostos de três módulos: 1) mostra imagem para seção corrente da aplicação; esta imagem tem um título e o estudante pode rever os nomes das estruturas clicando com o botão do mouse quando está sobre a região em questão; 2) apresenta um teste de múltipla escolha baseado na revisão da imagem, com feedback imediato, voltando para os textos ou outras i-magens relacionados àquele assunto; 3) vista anatômica tridimensional interativa, que permite ao usuário mover a imagem em qualquer direção, ver uma animação ou escolher um novo tópico para estudo.

As imagens foram compostas associando imagens capturadas por video e imagens scaneadas com modelos tridimensionais computadorizados e ilustrações feitas à mão livre no computador. Os modelos tridimensionais foram desenvolvidos utilizando softwares criados especialmente para produzir modelos a partir de secções transversais de CT e MRI e imagens macro e microscópicas.

Outros autores, Jaffe et al (l989), construiram um programa hipermídia para aprendizagem de ecocardiografia que inclui um ambiente controlado pelo usuário, com um acesso instantâneo a 54.000 quadros de vídeo, ligadas a 1.200 questões clínicas. O programa envolve gráficos, animações, texto e sons digitalizados. Este programa também foi desenvolvido em HyperCard, usando microcomputadores Macintosh, e um monitor separado para exibir as imagens do videodisco. O programa apresenta gráficos de anatomia, diferentes tomadas do coração, quadros relevantes para o diagnóstico, animações, além de conter bases de dados catalogados e audios digitalizados de auscultas cardíacas de diagnoses selecionadas. Cada diagnóstico é descrito por textos: sobre o quadro clínico, sobre a etiologia e sobre os achados, e é ilustrado por sequências de vídeo de casos, história desses casos, audio e animações; também, há desenhos anatômicos, um glossário e um help para software e hardware.

Para o ensino de colposcopia para estudantes 3º ano de medicina e 1º e 2º anos de residência, Dunton et al. (1992) desenvolveram um sofisticado programa, que associa texto a imagens de alta resolução de colposcopia, fisiopatologia e de histopatologia. Uma parte do programa apresenta simulações de casos e permite que o estudante indice a terapia apropriada para cada caso.

Existem, inclusive, diversas empresas que comercializam videodiscos orientados para o ensino de imagenologia médica, principalmente na educação continuada de grande sofisticação e complexidade. Por e-xemplo, a ImageDisk Library contem cerca de 30 títulos, tais como Color and Spectral Doppler Ultrasound of the Carotid Artery and Peripheral Vessels, que contém mais de 1.000 imagens estáticas e 66 segmentos animados em tempo real, com o registro sonoro do doppler colorido e espectral, em pacientes normais e com vários tipos de anormalidades vasculares centrais e periféricas; o Radiological Atlas of Brain Tumors, que contém 1.040 casos clínicos, com toda a documentação neuroradiológica (8.000 imagens de RX, CT, MRI, etc.), subdivididos em 50 nosologias distintas.


Simulações clínicas

Uma das aplicações mais úteis do computador no ensino médico é a simulação de casos clínicos. Neste tipo de aplicação, um caso é apresentado ao aluno, que deve então tentar fazer um diagnóstico e encaminhar uma conduta e terapia. De acordo com as decisões tomadas pelo aluno, o caso progride satisfatoriamente ou não, podendo ser acompanhado de criticas à medida que o caso evolui. Comprovadamente, as simulações clínicas computadorizadas, mesmo que baseadas exclusivamente em textos, são muito eficazes para promover o ensino da resolução de problemas em Medicina. As simulações clínicas multimidia, por outro lado, enriquecem ainda mais essa tecnologia, ao permitir adicionar sons, imagens médicas, animações, etc.

Por exemplo, Cooper e Owens (1993) desenvolveram um método para usar video digital para fazer simulações contínuas de casos. O conhecimento foi representado usando uma árvore hierárquica simples de questões e respostas associadas. Cada nodo dessa árvore apresenta um texto contendo a questão para ser respondida pelo aluno; um arquivo de reconhecimento de voz para ser usado se algum comando de voz fosse dado; um texto contendo a resposta para a questão; e, opcionalmente, um vídeo clip que mostrava o paciente respondendo a questão. A resposta ao programa pode ser dada clicando sobre um menu, por um comando de voz, ou por uma combinação entre os dois. O paciente na tela nunca desaparece ou fica congelado, ele está presente de forma natural, continuamente. A simulação em vídeo é sem emendas porque não existem paradas no vídeo entre as respostas das questões. O vídeo contínuo foi montado através de vários clipes, que são divididos em dois tipos: de resposta e de espera. A interface do programa baseada em menus foi implementada usando HyperCard para Macintosh. No desenvolvimento do protótipo o QuickTime foi utilizado para produzir um vídeo digital contínuo de um paciente numa tela de computador. Foi usado um VideoSpigot para capturar o vídeo do paciente diretamente de uma filmadora Sony de 8 mm. O protótipo mostra um paciente que tem bronquite aguda e o estudante deve dar os passos apropriados para ajudá-lo a parar de fumar.

Esse método de simulação pode ter uma larga aplicação e uma grande evolução no futuro, permitindo uma maior sofisticação nas simulações, o que contribuirá para a educação e será de grande valor para os estudantes de medicina.


O ensino da decisão clínica

O método tradicional que o médico usa para fazer um diagnóstico é um processo hipotético-dedutivo, onde a tomada das informações é sempre feita de forma linear, começando pela história, depois pelo exame físico e depois pelos dados laboratoriais. Isto, normalmente, cria uma lista de hipóteses (diagnósticos diferenciais) que vão sendo testadas a medida que novos dados são coletados, pesquisando a história pregressa do paciente, revisando sistemas e pesquisando bancos de dados médicos. Os estudantes de medicina geralmente recebem muito pouca instrução formal sobre esse pro-cesso, e o ensino assistido por computador pode ser de grande ajuda. Por exemplo, BELTS é um interessante sistema voltado ao ensino a teoria de decisão clínica, de um ponto de vista prático, foi desenvolvido em Hypercard. A estrutura e o conteúdo foram adaptado a partir do livro "Clinical Epidemiology: A Basic Science for Clinical Medicine", de David Sackett, R. Brian Haynes e Peter Tugwell.

Entretanto, uma deficiência do processo hipotético-dedutivo é que o cérebro humano consegue trabalhar simultaneamente com um número muito restrito de hipóteses diagnósticas (pouco mais que três ou quatro). Além disso, nem sempre os dados decisivos são expostos e levados em consideração, principalmente pelos profissionais sem experiência, e isto pode conduzir a hipóteses altamente improváveis em face de um diagnóstico óbvio.

Uma das vantagens do uso do computador no apoio ao diagnóstico médico é que os chamados sistemas especialistas (que utilizam técnicas de Inteligência Artificial) tratam este problema fundamentados em uma série de nodos (sintomas, achados laboratoriais e achados de exame físico) ligados por padrões específicos, para um dado diagnóstico, de forma que podem trabalhar com muitas hipóteses diagnósticas ao mesmo tempo. A união da hipermídia, com sua riqueza de informação, aos sistemas especialistas, tem um grande potencial para o ensino médico.

Um excelente exemplo desse tipo de aplicação foi dado pelos autores do "Slice of Life", referido acima, e que conseguiram acoplá-lo a um sistema especialista em medicina interna desenvolvido pela Universidade de Utah, denominado ILIAD. Ele é muito usado em todo o mundo como uma ferramenta de educação médica que ensina o estudante a elaborar diagnósticos diferenciais e a tomar decisões baseadas em riscos e custos. Tem uma base de conhecimento ampla, contendo cerca de 1.200 doenças e suas manifestações e cerca de 9.000 sinais, sintomas e testes diagnósticos específicos. O projeto de integração foi desenvolvido ligando a base de conhecimento sobre hematologia do ILIAD ao "Slice of Life". Essa base continha 56 termos ou ítens, os quais foram usados para suporte do vídeo. O videodisco contém 436 imagens sobre o sangue, 291 sobre a medula óssea e 366 sobre linfonodos, incluindo crescimento normal e anormal e fotografias microscópicas. O videodisco pode ser acessado pelos módulos de consultas ou de pesquisa do ILIAD.


O ensino das especialidades

O ensino de especialidades médicas ou áreas nosológicas muito específicas e complexas também pode ser grandemente auxiliado pelo uso da multimídia, e já são numerosos os exemplos em muitas áreas. Por exemplo, Kidd et al, 1992, criaram um sistema para educação médica de hipermídia interativa sobre doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), com o objetivo de ensinar estudantes de graduação sobre DSTs e seus tratamentos, com demonstrações de aplicações práticas através do tratamento dos problemas de pacientes;. Ele pode, ainda, ser usado como referência e ferramenta de educação médica continuada para médicos já praticantes. Foi usado o videodisco do UK National Medical Slide Bank como fonte de imagens para esta aplicação.

O programa de DSTs é constituído de quatro partes: 1) DSTs específicas: após escolher uma doença o usuário tem acesso aos fatores clínicos da doença, investigações, curso da doença, diagnóstico diferencial, tratamento e conduta, incluindo recomendações sobre o uso de prescrição de drogas e prognóstico; 2). Conduta de DSTs: envolvendo princípios gerais, tais como conduta em condições específicas, sintomas específicos e tipos de pacientes específicos; 3) Sintomas presentes comumente: esta seção é usada para treinamento em medicina familiar e clínica geral. Selecionando um sintoma particular são dados ao usuário detalhes sobre definição, patógenos comuns, conduta e guia de prescrição; 4) Estudos de casos: uma série de simulações de casos desenvolvidas para testar o conhecimento adquirido sobre DSTs e as condutas a serem tomadas numa situação clínica. É apresentada ao estudante a história de um paciente com sintomas de DST e então ele é questionado com uma série de questões de múltipla escolha ou falso/verdadeiro sobre como tratar o paciente. O feedback é dado através das telas de referências de um dos outros três módulos do programa.

Na mesma linha, Adelson et al (1993) desenvolveram um atlas multimídia em CD-ROM sobre manifestações orais da infecção de HIV, com cerca de 250 imagens, acompanhadas de breves descrições das doenças, suas etiologias, além de uma lista de referências, que facilitam o diagnóstico e a descrição da esão. Atualmente está em desenvolvimento um programa de treinamento composto de tutoriais e simulações de 21 casos clínicos distintos de manifestações orais em portadores de HIV.

Tem sido grande, também, o número de aplicações em assuntos correlacionados à assistência médica propriamente dita, tais, como uma sobre a ética no tratamento médico de emergência de pessoas idosas, que permite ao usuário ter acesso aos dados do paciente, intervir no caso, aprender sobre as tecnologias modernas que são usadas para manter a sua vida e tentar resolver o problema, etc. (Sweeney et al, 1992). Outros programas de multimidia em geriatria, dos mesmos autores são o "Physical Assessment of the Older Adult Patient", que permite ao usuário aprender, por vários caminhos, que conduta tomar no tratamento de pacientes idosos; e o "Geriatric Nutrition ", que simula uma seleção de alimentos para pacientes idosos em vários locais como restaurantes, na sua própria casa, num supermercado, ou numa festa. As simulações foram feitas com base num banco de dados nutricionais.

As ciências básicas também não tem sido esquecidas no desenvolvimento de multimídias, e já é grande o número de aplicações. Citando alguns exemplos pioneiros, Murray (1989) desenvolveu um guia de farmacocinética para alunos do segundo ano de medicina; e Boering et al (1992) desenvolveram três programas educacionais usando hipermídia para Macintosh: SuperPATH: que é composto por slides de patologia digitalizados com notas, glossário e literatura; Eletronic Textbook in Human Physiology, que é uma base de conhecimento dinâmico de fisiologia humana, incluindo: animação, som, imagens e a maioria dos conceitos, começando com fisiologia cardíaca; e o Microscopic Anatomy Digital Slide Library, que é composto por uma coleção de slides digitalizados, textos e tapes usados num curso de microanatomia.


Educação de pacientes

Existem também diversos CD-ROMs para a informação e a educação dos pacientes, como o A.D.A.M., o Family Doctor, o Mayo Clinic Health Family Book e o Family Medical Advisor Pro. São verdadeiras enciclopédias médicas, ilustradas com filmes de vídeo, animações gráficas, fotos, radiografias, etc. Embora sejam voltados para o público leigo, são tão completos do ponto de vista médico, que podem ser usados no ensino e aperfeiçoamento de médicos. Por exemplo, o CD-ROM Total Heart, compilado pelo renomado departamento de Cardiologia da Mayo Clinic, armazena 48 vídeos e animações gráficas, 145 ilustrações coloridas (entre as quais inúmeras tomografias CT, MRI, SPECT, PET e ecocardiogramas bidimensionais e Doppler), e 60 minutos de narração em áudio estéreo, assim como bulhas cardíacas e ultrassons. O conteúdo, apresentado utilizando as mais modernas técnicas de multimídia interativa, ilustra e explica toda a anatomia, funções, condições, doenças e tratamentos do coração. Várias das explicações fazem recurso a espetaculares animações gráficas tridimensionais. O CD-ROM traz também vários tópicos relativos à saúde cardiovascular, estilo de vida, dieta, riscos e sua diminuição, exercícios físicos, etc.

Em conclusão, a tecnologia da multimídia parece ter um futuro extremamente promissor e rico no ensino das ciências da saúde. Cada vez mais, ela está ao alcance do bolso dos estudantes e profissionais de saúde, e promete revolucionar, mais uma vez, a agilidade de acesso e o volume de informações à nossa disposição. Infelizmente, ainda não existem publicações brasileiras em CD-ROM na área médica, mas essa situação deve mudar rapidamente.


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