Os consultórios e clínicas médicas e odontológicas são lugares onde o manuseio da informação assume uma enorme importância para a realização eficiente de suas atividades-fim[1]. Por exemplo, uma estatística recente feita nos EUA mostrou que o médico clínico gasta cerca de 40 % do seu tempo obtendo e registrando informação sobre seus paciente. Some-se a isso o tempo gasto com as informações administrativas e financeiras e é fácil perceber que o consultório é uma organização que necessita urgentemente o auxílio da Informática.
A qualidade da atenção médica recebe, também, um grande impulso através da informatização. Por exemplo, somente um sistema computadorizado permite a localização rápida de um grupo de pacientes de interesse do médico para fins de assistência ou pesquisa (por exemplo, todos os pacientes de sexo masculino e mais de 70 anos, que fizeram mais de três eletrocardiogramas na clínica nos últimos dois anos, eram portadores de miocardiopatia chagásica e evidenciaram extrasístoles ventriculares em pelo menos um desses exames). Em um sistema de registro médico baseado em fichas de papel, essa tarefa é muito dificil de ser realizada. Em um sistema de registro médico computadorizado, ela não necessita mais do que alguns segundos.
Os escassos levantamentos estatísticos realizados revelam que é ainda pequeno o número de consultórios informatizados de forma integrada no Brasil[5]. Embora os médicos, dentistas e outros profissionais liberais reconheçam a necessidade da informatização, existem muitos obstáculos para que isso aconteça:
Existem vários setores de atividades do consultório que podem ser informatizados:
Setor operacional: controle da agenda de marcação de exames por telefone, controle da recepção e do fluxo de pacientes na clínica, emissão de laudos, etc.;
Setor clínico: cadastramento dos pacientes e seus dados, registro das passagens pela clínica e dados básicos dos exames já realizados; anamnese; prontuário médico, etc.;
Setor administrativo: controle de faturamento de convênios médico-hospitalares e pacientes particulares, integração com os sistemas de controle contábil e bancário, contas a pagar e a receber.
Uma característica fundamental, entretanto, é que o software de informatização da clínica permita a operação de todos estes módulos de forma integrada (ou seja, todos funcionando em conjunto e podendo "dialogar" entre si automaticamente). Por exemplo, os dados preliminares do paciente a ser atendido, tais como nome, sexo, data de nascimento, plano de convênio, tipo de atendimento, etc., são digitados no sistema por ocasião do agendamento, e transmitidos automaticamente para os módulos de registro médico, de emissão de receitas e de laudos, faturamento, etc. Assim, se elimina um grande número de fontes de erro e digitações repetidas.
Outra característica importante é a possibilidade de operar todos os módulos acima de forma integrada e automática, exigindo um tempo mínimo de treinamento e preparo em computação por parte dos funcionários envolvidos, e funcionando de forma altamente confiável e a prova de falhas e perdas de informação.
Quando se procura informatizar uma clínica ou consultório, a escolha e aquisição de um computador adequado é uma das fases mais importantes, pois, na maioria das vezes, dela dependerá o grau de sucesso ou fracasso da informatização. Inicialmente, é importante saber como está a organização atual do consultório e como são realizados os procedimentos de geração, armazenamento, recuperação e uso de informações. Uma boa análise indicará quais são os pontos problemáticos no fluxo da informação, e quais são as suas necessidades, presentes e futuras (não se esqueça de levar em conta a futura expansão da clínica). Muitas vezes, será necessário modificar várias rotinas no consultório. O próximo passo é determinar o que se pretende fazer com computador. Analise a informação coletada no passo anterior e decida o que deseja informatizar (cadastro de pacientes, prontuários clínicos, pesquisa, agendamento, controle de convênios, etc.). Muitas vezes, é inviável implantar tudo de uma vez; assim, faça uma análise de prioridades. Terminado isto, é necessário determinar o tipo ou marca, e dimensionar o tamanho do computador a ser adotado (em função do número de pacientes ativos, de atendimentos por dia, etc.)
Atualmente o baixo custo dos microcomputadores e a grande capacidade dos mesmos, em termos de memória e de velocidade, torna possível realizar a informatização de uma clínica com uma excelente relação custo-benefício. Entretanto, microcomputadores funcionando isoladamente permitem apenas a informatização de atividades singulares dentro da clínica. Por isso é desejável um sistema em rede, no qual todas as informações ficam armazenadas em um único local da clínica (um disco magnético de alta velocidade e grande capacidade), de tal forma que vários microcomputadores podem ter acesso simultâneo e em tempo real às mesmas, quando necessário (por exemplo, os terminais da recepção, da interpretação de exames, da sala do médico, do setor financeiro-administrativo, etc.). Estes sistemas, portanto, recebem o nome de multiusuários, e representam a única solução possível para uma informatização integrada que abrange uma ambiente distribuido e disperso.
A solução tecnológica mais barata e eficiente existente atualmente para isso são as redes de área local, ou LANs, de sua sigla em inglês. Uma LAN é formada por vários recursos de hardware (microcomputadores, impressoras, discos, modems, etc.), interligados através de uma fiação, denominada barramento, através da qual os computadores se comunicam entre si utilizando um determinado conjunto de padrões e regras técnicas, denominado de protocolo (Fig. 1). Determinados microcomputadores agem como simples terminais dessa rede e constam apenas de um teclado e um monitor de vídeo. Outros micros são mais complexos, e gerenciam recursos adicionais de hardware, que podem então ser acessados a partir de qualquer micro ligado à rede. Esses micros especializados são denominados de servidores. Por exemplo, um servidor de arquivos contém todo o software e os bancos de dados a serem usados pelos demais micros da rede, e dispõe de um disco rígido de alta capacidade. Um software operacional de rede permite o gerenciamento automático de todos esses recursos e a operação global da rede, e para integrar um computador à LAN basta adquirir uma interface especial, chamada placa de rede.
As LANs baseadas em microcomputadores compatíveis com IBM-PC e sistema operacional tipo MS-DOS, como a Novell, representam uma solução ideal de vários pontos de vista. Para a informatização da clínica, duas vantagens são especialmente importantes: a possibilidade de concentrar todas as informações em um único ponto, permitindo a implementação de sistemas integrados, e o bom desempenho, mesmo com um número razoável de terminais em operação simultânea. Contam, portanto, com excelente aceitabilidade por parte dos usuários, e operação em rede totalmente transparente.
O mercado brasileiro é notoriamente carente em softwares de bom nível para a informatização integrada de clínicas e consultórios. Embora seja grande o número de pacotes oferecidos atualmente, a maioria deles não tem requisitos técnicos mínimos para operação confiável com bancos de dados de grande porte, em ambiente multiusuário baseado em redes locais.
Decidimos, então, desenvolver um software, denominado MEDSARR (Sistema Médico de Agendamento, Recepção e Registro), em conjunto com o Centro de Cardiologia Não Invasiva, uma entidade privada, com séde em São Paulo e uma filial em Santo André, SP, e que é atualmente um dos maiores centros do gênero no Brasil. A clínica de São Paulo realiza cerca de 180 a 200 exames/dia (ECG comum, ECG de esforço, ECG Holter, Holter de pressão, ecocardiografia, etc.) e a de Santo André, cerca de 60 a 80 exames/dia. Anteriormente a clínica já dispunha de vários programas para emissão informatizada de laudos e relatórios, desenvolvidos localmente, tendo os mesmos demonstrado excelentes ganhos de produtividade e qualidade do produto final. Tomou-se a decisão, então, de informatizar de maneira global as operações das duas clínicas, através de um sistema baseado em rede, e integrado. Na séde de São Paulo do CCNI foi implantada uma rede com as seguintes características:
A distribuição dos terminais no prédio de quatro andares do CCNI foi feita através de circuitos especiais, um em cada andar, denominados hubs, na seguinte disposição: três terminais no agendamento, quatro na recepção, um na sala de espera, um na recepção do laboratório de check-up, seis na sala de digitação de resultados de exames, dois na secretaria, dois na diretoria, um na biblioteca, dois no centro de Informática e quatro na administração. Esta distribuição assegurou ampla folga operacional para processamento clínico e administrativo de mais de 300 pacientes/dia, a um custo relativamente baixo em relação ao porte da operação.
O software MedSARR foi desenvolvido em Clipper versão Summer'87, que é uma linguagem de programação compilada, voltada a bancos de dados compatíveis com o dBASE III+, amplamente utilizada e de excelentes recursos de desempenho e organização. O software opera em modo multiusuário verdadeiro, ou seja, vários usuários podem acessar simultaneamente os mesmos arquivos, a partir de diferentes terminais ligados à rede, e dispõe de diversos dispositivos de proteção de acesso e confidencialidade de dados, o que é fundamental em um sistema clínico. Assim, por exemplo, todos os usuários são registrados no sistema, com senhas de acesso secretas, e recebem níveis de autorização que variam de 1 a 9. Conforme o nível alguns usuários só podem digitar dados, mas não podem consultar ou apagar, enquanto que outros tem acesso mais completo. Além disso, todos os acessos e operações realizados no sistema são registrados em um arquivo especial, o que permite identificar com perfeição quem, quando e de que lugar foi realizada alguma operação crítica com o sistema (logbook). Outra característica interessante é a o grande número de opções e parâmetros independentes de processamento, tais como impressoras a serem usadas, e em que portas, cores dos caracteres e das fichas exibidas nas telas, diretórios de disco utilizados, etc., que podem ser especificadas separadamente para cada terminal ligado à rede. Para tanto, cada terminal é identificado com um número próprio.
O sistema dispõe dos seguintes módulos:
O subsistema de recepção é utilizado a partir de terminal ou terminais localizados no balcão de recepção de pacientes na clínica ou ambulatório (Fig. 4). Permite informar quem será atendido no dia, em que hora, em que sala, e por quem (ou que procedimento será realizado), marcar sua presença, atendimento e dispensa, imprimir textos (por exemplo, atestados de presença, recibos, etc.), etiquetas de identificação, etc. Todas essas informações são visíveis e acessíveis simultaneamente na tela do monitor de vídeo de cada recepcionista (Fig. 5), permitindo fácil seleção e acesso.
Tem as seguintes características:
Este módulo pode ser acionado a partir de qualquer ponto da rede e permite registrar, alterar, consultar e imprimir informações de várias naturezas sobre os pacientes, com todos os seus dados civís e de convênio, e seus eventos médicos resumidos. Tem as seguintes características:
Este módulo permite controlar o fluxo de pacientes, solicitação de exames de laboratório de qualquer tipo, identificação de espécimes, gestão da folha de trabalho, entrada de resultados de exames, impressão de laudos e elaboração de estatísticas.
Este módulo consta de um "correio eletrônico" interno, que permite o envio de mensagens de um usuário para outro ou para grupos determinados de usuários, o lançamento de avisos gerais que aparecem na tela, etc. Se houver alguma mensagem registrada para ele, aparecerá um aviso na tela de entrada. O usuário pode então entrar no módulo de intercomunicação e ler as mensagens para ele, que ficam armazenadas até que ele peça para apagá-las. Pode também enviar mensagens para qualquer outro usuário, identificado através de seu código, ou para grupo de usuários. Assim, por exemplo, o diretor clínico pode enviar um aviso para todas as recepcionistas, avisando que um determinado procedimento teve sua rotina alterada, ou que um novo tipo de preparação deve ser pedido ao paciente. O diretor administrativo pode enviar uma mensagem a todas as agendadoras, avisando sobre um novo convênio e suas regras. Em quanto os destinatários não lerem a mensagem, aparecerá o aviso na tela de entrada. O sistema de intercomunicação funciona tanto em modo monousuário quanto multiusuário.
Contém também um pequeno editor de textos para composição, armazenamento e impressão de textos de qualquer natureza.
Este módulo é acessível somente por pessoas autorizadas (gerente do sistema), e permite realizar as seguintes atividades:
Do ponto de vista técnico, operacional e humano, o sistema integrado de hardware e software aqui descrito representou uma solução altamente eficiente, confiável e fácil de implementar e usar. O treinamento dos usuários pode ser realizado em curto período de tempo, e a entrada do sistema computadorizado em operação, em substituição ao sistema manual, fez-se rapidamente e sem problemas. Como resultado, os padrões de produtividade, qualidade de informação e facilidade de acesso aumentaram consideravelmente. Diversos relatórios gerenciais que antes eram muito difíceis de serem conseguidos (por exemplo, uma tabela diária listando todos os atendimentos agrupados por tipo de exame e por convênio), passaram a ser feitos rotineiramente com grande rapidez. A otimização do agendamento permitiu evitar espaços ociosos e os frequentes erros causados pelo método baseado em papel existente anteriormente. Além disso, o tempo gasto para realizar um agendamento e uma recepção foram reduzidos a menos da metade dos convencionais. O ciclo de faturamento foi reduzido consideravelmente, com um numero muito menor de erros e perdas consequentes à glosas.
Do ponto de vista da qualidade clínica e da pesquisa médica, o sistema representou um salto qualitativo importantíssimo. Todos os programas que emitem laudos recuperam automaticamente os dados cadastrados dos pacientes e de seus agendamentos, evitando erros e abreviando o tempo de emissão. O banco de dados clínicos implantado no Centro de Cardiologia Não Invasiva, o primeiro usuário do MEDSARR, conta atualmente com mais de 40.000 pacientes e cerca de 90.000 exames realizados, todos totalmente registrados, o que representa um impressionante acervo para a realização de levantamentos estatísticos, com a ajuda do módulo de pesquisa do MedSARR. O espaço ocupado em disco por todo o sistema (programa e bancos de dados com essa magnitude) não excede 30 Mbytes (os agendamentos podem ser armazenados em um arquivo à parte no disco, por quanto tempo se queira).
O sistema MEDSARR foi posteriormente implantado também em outros usuários, demonstrando sua flexibilidade em relação à especialidade médica, e ao volume de atendimento: em cinco ambulatórios de clínicas especializadas em atendimento multidisciplinar de crianças deficientes físicas e mentais (uma delas com quase 500 atendimentos por dia), um hospital de cirurgia plástica craniofacial, uma clínica de cardiologia e uma clínica de medicina nuclear.
Estudos estatísticos realizados a partir dos padrões de uso registrados pelo logbook comprovaram o intenso uso por todos os tipos de usuários, uso esse que aumentou gradativamente nos dois primeiros meses de operação até atingir um padrão estável, proporcional ao número de atendimentos/dia.
Em conclusão, a informatização global e integrada de uma clínica cardiológica é viável e efetiva, desde que sejam escolhidos criteriosamente as configurações de hardware e software para apoiar a operação livre de problemas, com confiabilidade, e com uma margem de segurança de ociosidade. São sobremaneira importantes a decisão política firme e o apoio constante da alta direção da clínica ao processo de informatização, a escolha do nível adequado de investimento, e o envolvimento e treinamento de todos os usuários do sistema, desde o início9. Julgamos também que um dos fatores de sucesso foi a possibilidade de testar e refinar o sistema em uma situação de menor porte e complexidade.