O Centro de Informática Hospitalar
Uma Proposta de Estruturação e Implementação
Renato M.E. Sabbatini
Núcleo de Informática Biomédica da Universidade Estadual de Campinas
WWW: http://home.nib.unicamp.br/~sabbatin
Email:renato@sabbatini.com.
Revista Informédica, 1(5): 5-8, 1993.
Introdução
Cada vez mais, é impossível pensar-se na operação de um hospital, ou mesmo de uma clínica especializada, sem o uso disseminado da Informática como ferramenta de I3C (Informação, Inteligência, Integração e Controle). O hospital é uma das organizações mais complexas que existem, e o universo das informações que precisam ser gerenciadas é imenso, cobrindo desde as informações sobre os pacientes, até os aspectos administrativos propriamente ditos.
A informatização de um hospital não é uma tarefa fácil, portanto, principalmente quando o seu objetivo principal é integrar, através de computadores, todos os aspectos referentes às suas atividades-meio e às atividades-fim. Um dos aspectos fundamentais para o sucesso dessa operação, é o estabelecimento de uma estrutura gerencial e operacional adequada, o Centro de Informática Hospitalar, idealizado de modo a se adequar ao organograma já existente no hospital, mas, ao mesmo tempo, buscando modernizá-lo com o objetivo de integrar a Informática da maneira a mais completa e eficiente possível.
No presente artigo, delineamos uma proposta concreta, objetiva, moderna, completa e viável de estruturação e implementação de um CIH ideal. A proposta nasceu de um estudo que fizemos quando membro da Comissão de Informática que assessorou a superintendência do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), quando se decidiu informatizá-lo de forma integrada, mas pode ser facilmente adaptada e adequada a hospitais com diferentes missões e portes. Assim, alguns dos níveis propostos podem ser fundidos, omitidos ou contratados fora da organização. Esperamos que, com este artigo, os leitores interessados na informatização de suas organizações clínicas tenham uma idéia sobre a forma mais profissional de realizar essa tarefa.
Organograma de um Centro de Informática Hospitalar
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Objetivos e Níveis de Atuação
O Centro de Informática Hospitalar) tem por objetivo principal prover toda a estrutura de recursos humanos, materiais e de serviços para a automação dos recursos de informação do hospital, incluindo-se a análise, desenvolvimento e implantação de novos sistemas, bem como o apoio e treinamento dos usuários.
A missão do CIH é cumprida basicamente em dois níveis de localização:
- o processamento distribuído, através de equipamentos descentralizados, de menor porte, colocados junto aos usuários finais (divisões, serviços, setores e seções). A seleção, instalação, análise, desenvolvimento, implantação, treinamento e suporte técnico aos sistemas distribuídos serão realizados por uma estrutura própria do CIH denominada Centro de Informações (CI);
- o processamento centralizado, através de um Centro de Processamento de Dados (CPD), com equipamento(s) de grande porte, colocado em uma estrutura central, e que se responsabiliza pela análise, desenvolvimento, implantação e suporte de sistemas globais do Hospital, bem como pela integração com os equipamentos e redes distribuídos.
Os sistemas distribuidos e centralizados podem ser integrados e interconectados de forma variável, progressiva, e em diversos níveis (microcomputadores monousuários, microcomputadores multiusuários, redes locais e minicomputadores). Normalmente, o CIH é o responsável técnico pela execução e acompanhamento desta integração, e toma todas as medidas necessárias para a normatização de hardware e software.
Os Níveis de Aplicação
O CIH implementa as suas ações em quatro níveis de aplicação:
- apoio à administração, no que se refere a todos os sistemas puramente administrativos e financeiros do hospital, tais como controle de materiais, controle de pessoal, contabilidade e controles financeiros, etc.;
- apoio à assistência, no que se refere a todos os sistemas clínicos, envolvidos nas atividades assistenciais, tais como: arquivo médico, controle de infecções hospitalares, anatomia patológica, laboratório clínico, UTI, centro cirúrgico, exames especializados, radiologia, banco de sangue, banco de órgãos, anestesia, setores de medicina especializada, etc. Através dessas aplicações, a Informática se faz presente nos ambulatórios, enfermarias, setores de procedimentos especializados, etc.;
- apoio à pesquisa, no que se refere aos sistemas de aquisição e processamento de dados para fins de pesquisa pelos integrantes do corpo docente e clínico lotados no hospital, em estreita integração com os sistemas de apoio à assistência e ensino;
- apoio ao ensino, no que se refere aos sistemas especializados de exploração dos recursos de informação disponíveis no CIH para suporte às atividades de ensino e treinamento realizado pelo corpo docente lotado no hospital, residência médica, treianamento de pessoal, etc.;
Da mesma forma que nos níveis de localização, os níveis de aplicação podem ser integrados e interconectados de forma variável e progressiva, sob a orientação e responsabilidade do CIH.
Níveis de Desenvolvimento
O CIH atua basicamente em seis frentes de atividades de desenvolvimento tecnológico no contexto hospitalar:
- planejamento: o CIH deve contar com um corpo de profissionais responsáveis pelo planejamento a médio e longo prazo das atividades e estruturas de automação do hospital, incluindo: planejamento estratégico, planejamento financeiro, análise de organização e métodos (O&M), metodologia de seleção de hardware e software e integração corporativa. Assim, atua em estreita colaboração e em consonância com as decisões da diretoria geral, conselho deliberativo e conselho de usuários, e é responsável pela elaboração detalhada e revisão periódica do chamado Plano Diretor de Informática (PDI) do hospital. O tamanho desse grupo depende, evidentemente, do tamanho e complexidade do hospital, podendo, em alguns casos, ser contratado como prestação de serviços por firmas especializadas, pelo menos na primeira elaboração do PDI;
- administração de dados: os conceitos mais modernos de gerência de recursos de informação em uma empresa recomendam a criação de uma gerência de administração de dados, que é a responsável pela definição e manutenção de integridade dos bancos de dados, implementação e manutenção de dicionários de dados, integração e transportabilidade de informações, etc. Na área de saúde, é muito importante que os profissionais responsáveis por esta área tenham boa vivência em ambientes clínicos e administrativos, respectivamente, e conheçam bem a nomenclatura especializada das áreas de trabalho. Assim, é comum, por exemplo, que profissionais oriundos da área médica, com bom treinamento em Informática (informatas médicos) trabalhem na administração de dados das áreas clínicas, que são normalmente muito complexas e especializadas a esse respeito;
- análise e desenvolvimento: é a estrutura responsável pela análise de necessidades dos usuários, bem como pela especificação, análise, desenvolvimento, teste, implementação, operação e manutenção de sistemas próprios de processamento, tanto a nível distribuído quanto centralizado. O tamanho deste grupo dependerá, basicamente, de decisões realizadas quando da elaboração do PDI, sobre a forma de aquisição dos sistemas de software: programas prontos, desenvolvimento sob contrato ou desenvolvimento por equipe própria.
- suporte técnico: é o grupo responsável em manter funcionando de forma correta e adequada o hardware (equipamentos e sua interconexão) e o software (programas adquiridos ou desenvolvidos); bem como a manutenção da documentação e a prestação de serviços de atendimento ao usuário;
- operação: o grupo responsável pelas atividades de operação de rotina dos diversos aspectos que compõe a atuação do CIH, tais como: operação de equipamentos centralizados, fitoteca, discoteca e biblioteca, monitorização da operação de redes locais e externas, digitação centralizada, etc.;
- treinamento dos usuários: atividade responsável pela aculturação da comunidade de usuários dos sistemas adquiridos ou desenvolvidos pelo CIH, e treinamento quanto à operação do hardware, do software, regras de padronização e de controle da qualidade de informação, etc. Dependendo do tamanho do hospital, é recomendável que o CIH tenha pessoal próprio destinado a essa finalidade.
Organização Interna do CIH
Devido ao fato de tangenciar praticamente todas as atividades do hospital, o CIH deve ser, de preferência, constituído como uma divisão administrativa, vinculada, portanto, diretamente ao seu Superintendente. Em sua forma mais completa, seu organograma conta com as seguintes subdivisões:
Estrutura Diretiva
A estrutura diretiva conta com dois órgãos colegiados: o Conselho Deliberativo e o Conselho de Usuários, e com um órgão executivo: a Diretoria Geral, assessorada por uma Secretaria Executiva e de Planejamento.
O Conselho Deliberativo é o responsável pela elaboração de políticas gerais do CIH, bem como pelo acompanhamento e fiscalização das ações implementadas, e dos assuntos orçamentários e patrimoniais. Suas ações tem caráter deliberativo e são executadas pela Diretoria Geral. Conta com representantes dos grandes setores do hospital (Superintendência, Diretoria Clínica, Diretoria Administrativa, Conselho Hospitalar, Faculdades eventualmente ligadas ao hospital, etc., bem como do Conselho de Usuários e da Diretoria do CIH).
O Conselho de Usuários tem caracter apenas consultivo, e é composto por um representante de cada serviço administrativo e clínico do hospital, e que são também responsáveis, individualmente, pelo contato e representação de seus setores junto ao CIH. Este Conselho é muito importante para a missão do CIH e sua continuidade, uma vez que são seus representantes que vão definir as necessidades dos usuários dos sistemas, e direcionar suas prioridades.
A Secretaria Executiva e de Planejamento abrange os recursos humanos e materiais necessários ao assessoramento e execução das atividades da Diretoria e dos dois Conselhos.
Em nível de serviços, o CIH conta com as duas grandes estruturas já referidas acima, ou seja, o Centro de Informações e o Centro de Processamento de Dados, e que são responsáveis, respectivamente, pelas atividades de processamento distribuido e centralizado do hospital.
O Centro de Informações
O CI deve contar com um corpo próprio de profissionais para dar atendimento à distribuição de processamento junto aos usuários, na forma de equipamentos de menor porte, abrangendo os seguintes setores:
- Treinamento ao usuário, e que centraliza todas as atividades do CIH nesta área (cursos gerais, cursos de operação de hardware e software, estandartização de procedimentos, etc.);
- Apoio aos sistemas administrativos descentralizados;
- Apoio aos sistemas assistenciais e clínicos descentralizados;
- Apoio às atividades de pesquisa implementadas em sistemas distribuidos;
- Apoio às atividades de ensino.
As atividades do CI incluem a seleção e aquisição de softwares comerciais, a sua distribuição, manutenção e treinamento para os diversos setores de usuários, bem como a especificação de padrões de hardware, software e operações visando a integração entre os sistemas locais e centrais.
O Centro de Processamento de Dados
Esta estrutura tem as características mais clássicas de um CPD de médio ou grande porte, responsável pelos sistemas globais e integrativos de automação do hospital, tais como: sistemas administrativos de grande porte (pessoal, materiais, finanças, etc.), sistemas clínicos de grande porte (SAME, agendamento, internação, etc.) e sistemas integrados de informação hospitalar.
O CPD conta com os seguintes serviços, cujas atribuições foram detalhadas acima:
- Administração de dados. Conta com dois setores: Gerência de Bancos de Dados (divididos em sistemas administrativos e clínicos), e Organização e Métodos (O&M).
- Análise e desenvolvimento. Pode ser eventualmente dividida em seções responsáveis por sistemas distintos (administrativos, clínicos, etc.)
- Suporte Técnico. Tem setores distintos de : Suporte de Hardware, Suporte de Software (eventualmente dividido em Software Básico e Software Aplicativo), e Assistência ao Usuário de sistemas centralizados.
- Operação. Tem setores distintos de Operação Centralizada, Digitação, Gerência de Recursos (fitas, discos, biblioteca de manuais) e Teleprocessamento.
Considerações Finais
É importante notar que a estrutura proposta é apenas um alvo a ser atingido a médio prazo, não havendo a necessidade, inicialmente, de se implementar todos os níveis previstos. Isto é feito gradativamente, a medida que o CIH for aumentando suas atribuições. Além disso, o tamanho de cada serviço ou setor do CIH sofre necessariamente uma variação, de acordo com a etapa em que se encontrar a implementação do CIH.
Devem ser previstas as seguintes etapas para implantação completa do CIH:
- Planejamento: inicialmente o CIH tem um setor grande de planejamento e de O&M, que é o responsável por uma análise completa e detalhada do funcionamento do hospital, em todos os níveis, e pela elaboração técnica de um PDI (Plano Diretor de Informática), necessário para um horizonte de 5 anos de automação dos recursos de informação.
- Implantação do CI e do CPD: com a especificação de máquinas a serem adquiridas para colocação distribuída, uma estrutura mínima de CI pode ser imediatamente implantada, e iniciar as atividades de aculturação e de suporte a sistemas simplificados baseados em micros. Da mesma forma, uma estrutura mínima de CPD, baseada nos equipamentos centrais da entidade mantenedora, se esta existir (por exemplo, a universidade, a fundação, a secretaria de governo, etc.) pode ser implantada, utilizando linhas remotas, e dando seguimento ao desenvolvimento dos sistemas globais de maior urgência.
- Implantação intermediária: ocorre com a aquisição de equipamento próprio de grande porte, migração dos sistemas desenvolvidos para o mesmo, e desenvolvimento de novos sistemas globais. Ao mesmo tempo, é reforçada e ampliada a estrutura do CI.
- Integração global: ocorre quando houver condições técnicas para conexão dos sistemas distribuidos ao sistema central, e desenvolvimento de um software de integração e interface com o usuário.
Muitos fatores condicionam o sucesso do processo de informatização de um hospital. Evidentemente, o porte do hospital condiciona, e muito, a extensão, duração e custo final de todas as etapas acima referidas. Entretanto, mesmo hospitais de pequeno porte e clínicas especializadas não devem negligenciar uma abordagem profissional ao problema, a qual pode ser melhor resolvida, caso não exista cultura ou conhecimento internos, através de contratos temporários com consultores ou empresas especializadas independentes. Os órgãos especializados de algumas universidades, como é o caso do Núcleo de Informática Biomédica da UNICAMP, estão em condições de indicar profissionais gabaritados para realização desses serviços, ou, eventualmente, prestá-los através de seus serviços de extensão à comunidade. Outra solução é localizar hospitais de porte e características semelhantes, que obtiveram êxito na informatização integrada, e estudar como a mesma foi realizada.
Para Saber Mais
- Bakker, R.J.; Ball, M.J.; Scherrer, J.R.; Willems, J.L. (Ed.) - Towards New Hospital Information Systems. Amsterdam: North Holland, 1988.
- Johanston, H. - Sistemas de Informação Hospitalar: presente e futuro. Informédica, 1(2): 5-9, 1993.
- Rodrigues, R.J. (Ed.) - Informática e o Administrador Hospitalar. São Paulo: Pioneira, 1988.
- Sabbatini, R.M.E. - Como escolher um computador para a clínica. Rev. Bras. Informát. Saúde, 1(3): 27-29, 1987.
- Sabbatini, R.M.E. - Software: comprar ou desenvolver ? Rev. Bras. Informát. Saúde, 1(4): 20-22, 1988.
- Wiederhold, G.; Perreault, L.E. - Hospital Information Systems. In: Shortliffe, E.H.; Perreault, L.E. et al. - Medical Informatics: Computer Applications in Health Care. Reading: Addison-Wesley, 1990.
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